Mesmo... Henrique Raposo henrique.raposo79@gmail Quinto - TopicsExpress



          

Mesmo... Henrique Raposo henrique.raposo79@gmail Quinto império em chuteiras Há uns tempos, o ‘Bagehot’ de “The Economist” defendeu a seguinte tese: os vícios da sele- ção de futebol da Inglaterra são meros reflexos dos vícios da socie- dade inglesa. Faz sentido. A equipa in- glesa começa sempre os Mundiais com uma presunção de grandeza que já não corresponde à realidade. Aque- le nariz empinado é uma herança de um passado mítico. É, portanto, um na- riz destinado a ser esmurrado pelo pre- sente. E, de facto, a seleção inglesa tem sido esmurrada, pontapeada e abusada em todos os Mundiais e Euro- peus. Os torneios de futebol são a So- doma do futebol inglês. Tal como dizia o ‘Bagehot’, este é o reflexo futebolísti- co da Inglaterra do século XXI, um país que ainda não encontrou forma de lidar com o declínio. A tese aplica-se a Portugal, com uma agravante: a Inglaterra ficou com o ca- neco de 1966, nós não temos canecos. Mas, apesar da vitrina deserta, Portu- gal entra nos Mundiais com um ego de aristocrata brasonado. Aliás, o ambien- te que rodeia a seleção portuguesa nes- tas alturas redefine o conceito de ‘en- joativo’: comemora-se a partida da equipa, acompanha-se em direto a par- tida e a chegada do avião, celebra-se a chegada da equipa ao hotel da campa- nha. Ou seja, a celebração que devia ser feita depois da conquista do caneco é antecipada para o início do torneio. Antes do primeiro jogo já somos cam- peões e já esgotámos toda a adrenali- na. Uma adrenalina que, naturalmen- te, faz falta nos jogos decisivos. Ora, se repararem bem, nós somos assim em tudo. Juntem dois ou três portugueses e terão de imediato dez projetos novos, uma empresa, uma associação, dois ou três livros, uma revista, uma associa- ção, um jornal — ideias notáveis que nunca sairão do papel mas que são cele- bradas como se fossem factos consuma- dos. A realidade é um pormenor na nos- sa maneira de pensar. Pensamos atra- vés da abolição da realidade empírica, mensurável, concreta. O pior é que esta hubris precoce impe- de um debate sério e realista sobre o nosso futebol, porque cria uma atmos- fera de bajulação e não de crítica. Nes- te quadro mental sebastianista, aque- les que colocam as perguntas difíceis são tratados como infiéis, impuros que não acreditam na causa, como se a vitó- ria dependesse da crendice e não da ca- pacidade e do trabalho. Mas, se me per- mitem a blasfémia, queria fazer duas perguntinhas. Será que estamos a for- mar jogadores portugueses na escala necessária? Não, não estamos, porque o Benfica e o FC Porto acham que de- vem ser sucursais de argentinos e sér- vios. Não por acaso, esta seleção pare- ce ser a menos talentosa dos últimos vinte anos. Por que razão continuamos sem grandes jogadores para as posi- ções específicas (laterais, guarda-redes e pontas de lança)? Porque estas posi- ções implicam trabalho técnico e não talento natural, e nós continuamos a confundir habilidade com técnica. A primeira nasce do instinto, a segunda nasce da repetição mecânica do gesto. Para mal dos nossos pecados, confia- mos apenas no desenrascanço (o talen- to à volta, sem método) e, em conse- quência, desprezamos o trabalho técni- co. Sucede que o desenrascanço só cria os extremos que cruzam a bola, não cria a frieza do ponta de lança que ma- ta os jogos. Como já repararam, esta crónica deixou há muito o futebol. Tal como a seleção inglesa, a seleção portu- guesa é uma metáfora em chuteiras.
Posted on: Sat, 30 Nov 2013 17:42:32 +0000

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