O FALSO ECLIPSE DO SOL Tão logo tirei o meu brevê de piloto - TopicsExpress



          

O FALSO ECLIPSE DO SOL Tão logo tirei o meu brevê de piloto particular de aeroplanos (PPA), procurei fazer o maior número de horas de voo para, depressa, atingir as duzentas horas como comandante, para me habilitar ao brevê de piloto comercial. Bem relacionado, procurava por todos os meios aliciar pessoas que quisessem fazer voos panorâmicos ou pequenas viagens e, dessa forma, meti muitas horas na minha caderneta de voo. Ajudava-me muito o fato de ter sido nomeado monitor da escola de pilotagem do Aero Clube do Lobito e começar a voar muito, monitorando as viagens que os alunos tinham que fazer antes do exame final. Um dia, um dos meus alunos, diretor de uma concessionária de automóveis, pediu-me para, na viagem obrigatória que tinha que fazer, naquela semana, a uma cidade próxima, lhe permitisse substitui-la por um a viagem até à capital do país, onde precisava de se deslocar ao serviço da sua empresa.Acedi ao pedido e no dia seguinte levantámos voo num pequeno monomotor, um Piper Colt, numa viagem que demoraria mais de duas horas. Deixei o aluno na capital, pedi-lhe que levasse o radio de outro avião para consertar e regressei ao Lobito. Três dias depois voltei a Luanda num outro monomotor. Do aeroporto liguei para o técnico e pedi-lhe que fosse ao aeroporto instalar o rádio no Auster. Quando ele chegou disse que não levaria mais de 40 minutos a montar o rádio no painel de bordo. Como tinha uma hora para sair, apressei-me a entregar o plano de voo à torre de controle. Eram 12,30 horas no meu relógio, acertado por Grw (Inglaterra), portanto uma hora mais cedo que a hora local, naquela época do ano. De acordo com o plano de voo, eu tinha que estar no ar até às 13,30 horas, 14.30 horas, horas locais. O técnico não conseguia instalar o radio que continuava a apresentar defeitos. Fui obrigado a pedir à torre o adiamento do meu plano para dali a mais uma hora, ou seja, para as 14,30 ou 15,30 horas locais. Se o radio, agora, não ficasse pronto eu teria que levantar voo de vez ou então fazer um novo plano de voo, que jamais seria aprovado, pois, de acordo com as leis de aviação, eu teria que estar no aeroporto de destino até meia hora do Sol se pôr e Sol punha-se, naquela época, às 18 horas locais. O radio não ficou pronto a horas. Eu não podia esperar mais tempo. Pedi ao técnico para desmontá-lo rapidamente e leva-lo de volta para a oficina. Às pressas, dirigi o monomotor para o taxi-way e coloquei-me na posição adequada, à espera que me autorizassem entrar na pista de decolagem. Fiz o cheque-list. e, obtida a autorização, levantei voo, Eram exatamente 14,30 horas Grw no meu relógio no momento em que levantei as rodas do chão, completamente alheio ao horário local. A torre de controle jamais podia ter-me autorizado a decolar àquela hora. Sobrevoei a Ilha do Mussulo, dei a volta à esquerda e acertei a bussola na direção do Lobito. Quarenta e cinco minutos depois passava sobre Porto Amboim. Mais vinte minutos e estava sobrevoando Novo Redondo, a caminho da Cabeça da Baleia, importante praia piscatória, ao sul de Quicombo, a caminho do Lobito. De repente vi com surpresa, o Sol a esconder-se na linha do horizonte. Assustei-me pensando que fosse um eclipse do Sol e estranhei que a Torre de Luanda não me tivesse avisado do facto. Escurecia depressa. O meu avião era de instrução, não tinha luzes a bordo, nem no painel, nem no teto, nem na barriga, nem nas pontas das asas. O avião não tinha instrumentos para voos cegos (voos noturnos) nem eu estava habilitado a pilotar sem instrumentos. Um desespero absoluto, naquelas circunstancias. Sem luzes, eu não via a bússola, o horizonte visual, o altímetro, instrumentos indispensáveis para saber a direção, a posição e a altitude a que estava. Não via, também, o indicador do número de rotações do motor, que não podia ir além das 1.360 por minuto. Tão pouco podia reduzir a velocidade, pois corria o risco de perder a sustentação e cair. Só Deus, para me proteger e segurar o avião no ar. Completamente às escuras, pensei em voltar para trás e aterrissar em Novo Redondo mas, apesar de ter ali vivido muitos anos, antes de ter tirado o brevê, eu não conhecia bem a topografia local. Brevetado, fui muito poucas vezes aquela cidade. Decidi continuar a viagem para o Lobito. Seria o que Deus quisesse. Eu tinha mais de oitocentas aterrissagens no aeroporto local. Conhecia bem a topografia da cidade e dos morros à sua volta. Desviei-me para a costa e passei a orientar-me pela fluorescência das águas, batendo nas rochas, em vez da bússola, que não conseguia enxergar. Mantive o avião na altitude em que vinha, ainda de dia. Pela ponta da asa, do lado esquerdo, procurava equilibrar a estabilidade do avião, vasculhando na escuridão, as sombras dos morros. Pelo ouvido acompanhava atentamente o ruído do motor. Não podia deixar as rotações subirem nem descerem. Entrei algumas vezes mar dentro para fugir dos morros altos, junto à costa, não fosse bater neles com as pontas das asas. Eu estava cansado, muito cansado! Queria ver-me livre depressa daquele pesadelo,. De repente comecei a ver ao longe o clarão das luzes do Lobito que, de certo modo, clareava um pouco o interior de bordo. Isso me animou muito, me deu forças para prosseguir os meus esforços para manter o avião no ar. Pouco depois divisei a ponta da Restinga à direita, as antenas da Policia Marítima em frente e as do Radio Clube à esquerda, as luzes dos navios fundeados na baía e dos que estavam atracados no porto do Lobito. Senti que a vida, lá em baixo, me sorria e esperava por mim. Passei por cima dos silos, sobrevoei os bairros da Caponte e do Compão. Passei por cima das salinas do Grêmio do Sal e aproximei-me do aeroporto. Eu estava completamente esgotado. Queria descer a todo o custo, mas não podia fazê-lo ainda. A Torre de Luanda, ao dar conta do erro que cometera, em me deixar levantar voo fora de horas, certamente teria avisado a Torre do Lobito, da minha chegada e do perigo que eu representava, completamente às escuras, na rota de qualquer avião comercial que, àquela hora, se aproximasse da cidade. Não podia precipitar-me, agora que estava no final do pesadelo. O aeroporto local, com certeza, iria acender as luzes da pista para eu descer e, pelo sim, pelo não, sabendo todos que eu não estava habilitado a voar à noite. Iriam convocar médicos e bombeiros para me assistirem, prevendo uma aterrissagem que tinha tudo para não dar certo. Dirigi-me para o aeroporto, que estava completamente às escuras. Dei duas voltas ao redor, a avisar que tinha chegado, a pedir socorro, a pedir que acendessem as luzes da pista, mas não vi nenhum sinal de vida. Eu não perdi a noção do perigo, mas, sinceramente, estava com medo, um medo controlável. Normalmente, àquela hora, com a partida do ultimo avião comercial do dia, já não havia ninguém no aeroporto. Eu não estava aguentando mais aquela situação. Tinha chegado ao fim da minha viagem são e salvo, mas faltava-me o mais difícil que era, completamente às escuras, pôr aquele pássaro no chão. Era a minha vida que estava em jogo e ela dependia, naquele exato momento, da minha presença de espirito, da minha coragem, Eu não podia entrar em pânico. Fosse o que Deus quisesse. Subi 300 pés para fazer uma aproximação de muito longe. Enquanto descia, preparava-me psicologicamente para a aterrissagem em plena escuridão. Atravessei a linha férrea, passei por cima dos cabos de alta tensão, fui perdendo altura e aproximei-me da pista. Sabia da posição da mesma por causa das luzes próximas, mas eu não via absolutamente nada, dentro do avião ou fora dele. Não sabia a que altura estava da pista, Tanto podia estar alto como baixo de mais. Precisava bater com as rodas no chão, para calcular a altura. Desci e toquei o asfalto. Como caí de muito alto, senti que tinha rebentado os elásticos que, naquele tipo de avião, servia de amortecedores O avião reagiu, voltando a subir. Dei um pouco de gás, endireitei o nariz e acionei os dois pontos de flaps, para reduzir, ao máximo, a velocidade. Pousei poucos metros à frente, nos três pontos, brequei e, suando, ali fiquei sentado aos comandos do Auster, sem saber o que fazer. Já pensava em me dirigir a pé para o hangar, quando, de repente, vi as luzes de um carro, que se aproximava. Era o meu colega Sergio Henning dos Santos, que fora meu instrutor e sob cuja responsabilidade eu era agora monitor. Pôs-se à minha frente e pediu-me que fosse devagar atrás dele. Estacionei ao lado do Dakota da DTA que chegara meia hora antes de mim. Havia muita gente no aeroporto A torre de controle de Luanda avisou o Lobito que eu levantara voo uma hora mais tarde e que ia chegar de noite ao meu destino. A tripulação do Dakota, ouvindo a comunicação pelo rádio, espalhou a noticia pelos passageiros. Desembarcados, quiseram todos, aguardar a minha chegada para verem como é que eu ia descer. Da cidade tinha vindo muita gente ao Aeroporto Queriam saber o que é que se estava a passar, com aquele avião, sobrevoando a cidade sem luzes de navegação aérea. Ao descer do meu avião, fui recebido com fervorosas palmas e um uníssono “ boas noites comandante”. Não sei se como premio pela minha temeridade, em descer completamente às escuras, se, de gozação, por, sem habilitação para voos cegos, ter feito casualmente uma eximia aterrissagem. Ninguém, porem, se lembrou, que bastaria acionar uma pequena alavanca, no quadro de força do aeroporto, para eu ter feito uma descida normal sem ter arriscado a vida como arrisquei .Já se passaram 50 anos e ainda hoje agradeço a Deus por ter-se servido das minhas mãos para, em circunstancias tão adversas, colocar aquele pássaro direitinho no chão. Do meu livro “Memórias de um taxista” pg. 52
Posted on: Thu, 08 Aug 2013 22:27:25 +0000

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