O dilema do candidato (09Set2013) Pulidório Asnento revolvia - TopicsExpress



          

O dilema do candidato (09Set2013) Pulidório Asnento revolvia ansiosamente o bestunto na procura de algo para oferecer ao eleitorado capaz de despertar neles aquela pulsão electiva que deriva do sentimento de gratidão que neles se instala sempre que se lhes consegue inculcar a sensação enganosa de estar interessado na sua sorte e bem-estar – a experiência dizia-lhe que esta é a melhor forma de conseguir que eles, eleitores, voluntariamente repetissem o disparate de renovar a confiança nele. Pulidório Asnento, nos raros momentos de instrospecção que lhe ocorriam, dava por si a pensar que nunca votaria em alguém como ele (excepto em si mesmo), mas animava-o sempre aquela inabalável convicção de que a populaça era suficientemente estúpida para o fazer. Isso já o tinha estimulado a candidatar-se nos dois sufrágios anteriores e dava-lhe agora o alento para uma 3ª tentativa (e a verdade, qual comensal com um olho no prato,outro na ementa, é que já ia pensando no onde iria tentar a sorte pela 4ª vez, face à lei que o impedia de continuar a candidatar-se à alcaidaria de A-dos-Amigos,que tantos lucr… aaahhh, alegrias lhe tinha dado). Na sua ânsia por inspiração eleitoralista,sentia-se com dificuldade em encontrar “argumentos” inquebráveis (na verdade,ele até estava convencido que a re-eleição eram favas contadas, mas, como mula-velha experimentado que já era, bem sabia que o eleitorado é como a mulher: ou está sempre a ser adulada com surpresas agradáveis, ou logo volta as costas ao marido e deixa-o a pão e água). Por este motivo, o melhor era não descurar nenhum pormenor e insistir em manter acesa a chama do apoio, não vá ela de repente tremeluzir para outras velas. Pulidório Asnento tinha começado como operário de construção civil – diligente e competente, reconheça-se – e fez-se notar pela sua capacidade de executar uns biscates a uma relação qualidade/preço imbatível, a qualquer hora e em qualquer dia da semana, incluindo o de ir ver a Deus, hábito que nesse tempo nem tinha. O facto de prestar os seus serviços em regime de isenção fiscal não autorizada era algo que lhe desagradava profundamente, por ferir os seus afectos patrióticos e a sua consciência social(à boca pequena dizia-se que ele tinha era medo do Sr Avelino, fiscal das finanças, que morava mesmo à sua frente – razão porque já lhe tinha feito alguns consertos a custos ainda mais controlados, mas ninguém tinha provas disto) – no entanto, era uma prática a que se prostituía (assim o sentia)porque era o caminho mais certeiro para lhe fixar clientela. Não estava nos horizontes do nosso Pulidório nenhum percurso político. Este, atravessou-se-lhe no caminho no dia em que o Doutor Castanho do Poste, deputado da nação, dirigente distrital do partido do governo e advogado e filho lá da terra, lhe encomendou um urgentíssimo trabalho que consistia na abertura de um buraco destinado à erecção de um mausoléu à memória da eficientíssima e defunta ex-secretária de sua excelência o micromeco máximo do partido; este mausoléu, por sua vez, consistiria num pedestal encimado por uma efígie da finada, filha ilustre da freguesia de Prazer do Boi,tal como, aliás, todos os demais citados nesta história (excepto o micromeco-mor). Tão significativa encomenda – esclarecera o encomendante – caso fosse satisfeita dentro dos prazos e no agrado de todos, faria com que o micromeco-mor descesse dos gabinetes do ministério até ao povo, para descerrara lápide evocativa em cerimónia pública a condizer, para a inauguração de tão pungente monumento. Claro está que isto teria o condão de possibilitar uma chamada de atenção a sua excelência para a realidade da freguesia e dos seus habitantes, tal como o povo estaria a enviar – ainda que de forma subtil e indirecta – uma mensagem de apreço ao governante. Ele, Castanho do Poste,trataria da vinda do governante a tão esquecido buraco, e apesar de estar mais habituado à discrição, e com prejuízo da sua zona de conforto, aceitaria expor-se à intimidante observação directa e ao contacto mais próximo com sua excelência. Enquanto ruminava estas memórias, Pulidório Asnento rebuscava o que fez de certo e o que podia ter feito melhor para chegar onde chegou. Sabia que se existe coisa de que alguém o possa acusar é de alguma vez ter errado. Tinha atingido aquele patamar de humildade em que se troca a modéstia por retórica, o que o levava a admitir a existência de coisas que poderia ter feito melhor, mas não mais que isso. Nestas recordações ficaram-lhe igualmente cinzeladas as palavras do Doutor Castanho do Poste quando lhe apresentou o orçamento do mausoléu, perdão, do buraco para as fundações do mausoléu, cujo topo seria um alto relevo da cabeça da pobre D. Idalina Prestes, a quem nunca teria ocorrido que depois de diligentemente ter servido a tantos ministros, secretários e outros pobres de espírito, lhe ergueriam um monumento em frente ao café-mercearia de Prazer do Boi; ao ver a verba, atirara-lhe o Doutor: - “Caro Pulidório! Aqui entre nós, que ninguém nos ouve, eu sei que você já percebeu o incontestável interesse público desta obra. Tenho que lhe pedir para moderar o valor que pede, caramba. Não faça essa cara… vá lá! Eu até lhe faço uma contra-proposta: como sabe, tratando-se de coisa do interesse do povo, terá que ser custeada pelas verbas da freguesia. Só que o que me pede pelo buraco, mais o que o escultor exige pelo resto, é completamente incomportável para dinheiros tão escassos. Vá lá: peça o dobro disto, mas faz o buraco, a coluna e põe lá umas placas com os dizeres e eu prometo-lhe que faço de si o próximo presidente da junta…” Pulidório Asnento era quase analfabeto, mas já tinha aprendido a fazer contas com rapidez, coisa que lhe vinha da sua actividade profissional como trabalhador independente: o negócio em si era péssimo (pese o facto da aldrabice que era o outro acenar-lhe com o dobro do que tinha pedido), mas visto como investimento, era bem provável que tivesse retorno no futuro. E assim, Pulidório Asnento passou de minimeco a micromeco, o que lhe trouxe também a promoção de trolha a construtor civil com estaleiro próprio e um número crescente de funcionários. O seu instinto comercial acabaria por o levar a constituir sociedade com o seu padrinho político e mentor, o que não só lhe trouxe significativos ganhos em termos de credibilidade e contabilísticos, mas também uma oportuna e importante diversificação da carteira de clientes: a "Asnento & do Poste, Construções – SA" ganhava empreitadas umas atrás das outras. Expansão traz crescimento e crescimento traz expansão, pelo menos quando se sabe fazer as coisas, e já nem o Doutor Castanho do Poste era apenas um anónimo deputado, nem Pulidório Asnento continuava na pacata junta de freguesia de Prazer do Boi – o primeiro tinha já subido alguns dos degraus do Olimpo e era agora o Secretário de Estado das Verduras (uma secretaria criada no ministério da economia, verificada a importância estratégica e estruturante para o país que assentava no estímulo a tal produção, e uma das promessas do micromeco-mor na última campanha eleitoral –não está esclarecido se a promessa foi feita ao eleitorado, ou ao próprio Castanho do Poste, que tinha arranjado maneira legal de encobrir uns pecadilhos a sua excelência, mas parece que a suspeita não passava de atoardas timidamente lançadas pela oposição); Pulidório, por seu lado, visto e aprovado o seu potencial pelos eleitos, foi apresentado aos eleitores, já não só aos de Prazer do Boi, mas a todos os do concelho de A-dos-Amigos, como a grande confirmação de integridade, competência, dedicação e desinteresse, enfim, precisamente quem o concelho aguardava para conseguir a transição para a modernidade. Na primeira tentativa, Pulidório Asnento prometera à boca-cheia acabar com o desemprego no concelho, e à boca-pequena a criação de empresas camarárias indispensáveis ao cavalgar desta onda de progresso e prosperidade que ele já antevia (e onde encontrariam emprego todos os munícipes na situação de ociosidade). Naturalmente garantia querer fazer tudo isto de forma desinteressada, para bem do concelho e dos seus minimecos, e os seus minimecos, desinteressadamente, elegeram-no. Entretanto, (tempos vão, tempos vêm), estava no final do 2º mandato. A “Asnento & do Poste, Construções – SA” já contava vários engenheiros e arquitetos nos seus quadros e operava muito para lá dos limites geográficos de A-dos-Amigos. Pulidório Asnento tinha agora pela frente a re-eleição para o 3º (e último) mandato para alcaide de A-dos Amigos. Tinha obra feita: a terraplanagem para o aeródromo,velha aspiração do Adérito Folha, barbeiro da terra cuja paixão pela aeronáutica lhe ficara do serviço militar na força aérea e que insistia e convencia que terra onde não aterrasse avião nunca provaria a ambrósia do progresso. A pista já lá estava há 2 anos – um brilhante trabalho de engenharia de uma empresa do concelho: a “Asnento & Poste” – e apesar de nunca lá ter aterrado nada maior que besouros ou moscardos, dava emprego a um cantoneiro e a dois bombeiros. Estava em adiantada fase de construção um complexo palafita cujos edifícios assentavam em colunas que se erguiam 1,5 m acima do solo, obra que absorvia boa parte dos recursos da "Asnento & Poste”, prometida às gentes da terra sob a argumentação de estar cientificamente provado que as calotes polares estão a derreter e que se o mar subir como se diz, A-dos-Amigos estará na vanguarda da protecção aos seus minimecos quando tal acontecer. Fez igualmente um centro logístico de primeira água, com área de parqueamento de contentores e cais de carga e descarga com gruas rolantes de alta capacidade. Ao argumento da oposição que insistia que aquilo tinha sido apenas obra para dar mais trabalho à “Asnento & Poste” –na verdade, A-dos-Amigos está longe do mar, de centros industriais, de vias férreas, de tudo – Pulidório respondia que “a vinda do progresso prepara-se com antecedência”… Pulidório Asnento dizia aos seus detractores que lhes faltava visão de futuro. Escolas e centros de saúde já existiam e eram preocupação do governo central, “agora o investimento, meus amigos – dizia ele em tom enfático – o dinheirinho! Esse é posto onde houver condições para dar lucro! Os A-dos-Amiguenses constroem para atrair dinheiro no futuro…!” Agora, Pulidório Asnento já não sabia o que havia de prometer aos seus minimecos. Já tinha pensado numa piscina, mas o concelho tinha um deficit crónico de água, razão porque também abandonara a ideia de um campo de golfe e o correspondente lançamento na industria turística.Para construir uma barragem, não tinha os terrenos e teria que convencer os da capital a alinhar nisso, coisa para que eles não estavam assim muito virados… De repente, ocorreu-lhe (e era coisa possível,se fosse feita aos poucos): um canal para deixar chegar a água do mar! É isso!Depois uma praia artificial, depois uma marina, depois… Pulidório Asnento finalmente conseguiu sossegar e dormir: a “Asnento & Poste”, quero dizer, a eleição, está garantida!
Posted on: Mon, 09 Sep 2013 11:41:58 +0000

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