O voo inesperado: uma espécie de prefácio Joana Palma, Pedro - TopicsExpress



          

O voo inesperado: uma espécie de prefácio Joana Palma, Pedro Olivais. A saber, um polícia e um actor. A saber, uma mulher e um homem, a saber um amor a braços com a total incapacidade de amar. A saber, tudo é possível quando não se arrisca nada. A saber, quando tudo se passa na vontade de acontecer e na impossibilidade de que alguma coisa aconteça. A saber, o perigo de deixar o imaginário às voltas, desenfreado, sem apego mínimo ao real. A saber finalmente, que tudo pode acontecer desde que se deseje que não aconteça absolutamente nada, desde que se deseje que aconteça absolutamente tudo. Joana é polícia, Pedro, actor. Poderia ser ao avesso, mas aqui não. Aqui, quando a Culpa foi do Tempo, o tempo vai desenrolando o fio da meada para se ensarilhar noutro novelo e a certo ponto já são tantos os nós que o desencontro marca o tempo de vida e o destino. Aqueles, estão desde o início condenados. Sem direito a recurso, com arrependimentos sem direito a retorno. “A Culpa foi do Tempo”, romance escrito por António J. de Oliveira, surge como arremesso de sentimentos que se nos colam à pele e nos obrigam a manter os olhos bem abertos. Aqui não há desculpas esfarrapadas nem distracções convenientes. E, goste ou não se goste, quando damos por isso a teia amarra-nos à história das vidas que passam ao lado do que deveria ter sido a verdadeira razão de viver. Resta-nos o desconsolo. Ao se verem desencontradas, as desditosas personagens insistem em colocar a tónica no passo com que, em vão, tentam acompanhar a melodia. Dois bailarinos prematuramente envelhecidos, rodopiam no tormento de um desejo incapazes de concretizarem, mas não de sentirem. Este cruel “Pas de Deux” reveste-se de quedas bruscas, de falas trocadas; os diálogos transformam-se em monólogos, como peças de impossível encaixe. Aquele amor é um condenado a tempos intemporais. O desejo lançado ao mar, insiste em voltar a cada maré. Persistente e incómodo. Toda a leitura se adensa à medida que entramos mais fundo no inferno de Joana e Pedro, a mulher polícia e o homem actor, os seres dos tempos trocados, das coincidências infelizes. O destino não lhes sorri… Nesta obra os gritos ecoam pelas esquinas, pelos jardins, pelas ruas e praças e rios e céus, no Ser todo das personagens principais, o Pedro actor e a Joana polícia, dois mundos de impossibilidade absoluta. A não ser no enorme, irreprimível e absurdo desejo de inventar um amor. A não ser no que se perdeu antes de se ter, antes de tudo acontecer. “Se ao menos tivéssemos embarcado no mesmo barco”… lamenta Pedro Olivais sobre a mulher de quem sempre fugiu. Joana negoceia os seus desafectos como quem combina um desempenho manhoso, marginal. Mesmo nas zonas mais gélidas do nosso descontentamento, o grito ecoa cada vez mais forte e os corações mantêm a sua surdez com a teimosia que antecede o arrependimento. Inútil. Aqui, neste refúgio em forma de escrita o tempo é a personagem maior. Ele molda, tira e dá, arruma e desarruma. Impiedoso como sempre, arrasta tudo à sua passagem e rouba a mão que promete o merecido afago. Serpenteia por entre nós e esculpe os camaleões que vivem no coração. Põe fundo o dedo na ferida dos que não querem saber se o destino é coisa de Deus ou do Diabo. E dói. Arde. Pudesse o relógio andar ao contrário e quantos acompanhariam Piaf? Olhos nos olhos, quem de nós não mudaria o sentido dos ponteiros? Quem tem medo acaba sempre sozinho e quem fica só deixa pouco a pouco de sentir. Resta o bater dos ponteiros, compasso de uma ópera que nunca começa porque a partitura se tornou, pouco a pouco, ilegível. Pedro e Joana não apanham o mesmo barco. Suspeita-se de que mesmo que o apanhassem fugiriam ao se reconhecerem. Há gente assim, fugidia da felicidade da entrega. Escorregadios no caminho que ajudaram a construir. Fogem sem saber de quê e porquê. Simplesmente porque tem de ser. Alimentam-se nas tristezas que vão coleccionando como troféus e zangam-se com o tempo que desperdiçaram. E o tempo, com a manha que o caracteriza, ri-se, e volta a fazer do mesmo. Ritmadamente, compasso marcado a preceito, com as andorinhas que chegam sempre da mesma maneira: primeiro vêm cinco, depois mais cinco e de repente… é verdade, já reparaste que este ano as andorinhas ainda não chegaram?!?... Nazaré Tojal Lisboa, 5 de Abril de 2006
Posted on: Fri, 23 Aug 2013 09:16:57 +0000

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