"Olha, como já disseram, papagaio que dorme com morcego acorda de - TopicsExpress



          

"Olha, como já disseram, papagaio que dorme com morcego acorda de cabeça pra baixo. Tá começando o jogo do Brasil e eu não consigo prestar atenção. Fiquei lembrando da Dilma, que foi vaiada na abertura da copa das confederações (ou da falta de considerações) e causou uma celeuma enorme, a desconfiança de que a movimentação ao redor do país pode ser insuflada pelos setores mais conservadores da sociedade ou pelo menos capitalizada por essas vozes. Isso me fez lembrar um episódio, que sintetiza o que não poderia ser esquecido pelo PT. Em Fortaleza, a eleição de 2004 elegeu a prefeita Luizianne Lins, contra todas as probabilidades, sem o apoio do próprio PT, seu partido. A adesão popular foi enorme e todos os intelectuais e artistas da cidade também estavam juntos. O fim dessa era, anunciado pela derrota do seu candidato nas eleições de 2012 foi melancólico. Luzianne cometeu um erro crucial: apoiou o PSB de Cid Gomes. Este, após ter feito um trabalho de desenvolvimento em uma cidade do interior do Ceará, que o qualifica para competir pelo governo do estado, é parte do que há de mais retrógrado e autoritário na política brasileira. Só mega-projeto para atrair investimento e lei da chibata pros de dentro (que o digam os professores). E ainda é traíra. Canibalizou muitos pra chegar até lá, inclusive o padrinho Tasso Jereissati, outra cobra antiga. Luizianne foi crédula em achar que poderia domar a cobra, irmão do delicado Ciro Gomes. Não rolou. Ao primeiro descuido, foi devorada também. O jogo é sujo e antigo, o sangue é de barata. Voltando à Dilma, ela talvez esqueça que por traz do manto da “tecnicidade”, que a qualifica como estadista, que toda técnica traz uma organização estética e uma ética. Fazer as combinações necessárias com outros saberes, outras formas de organização social vivas– que o Ministério da Cultura de Gil e Juca tanto se esmerou em perceber ao redor do país – é que pode criar as possibilidades da diferença se manifestar, ser ao menos percebida, levada em conta. Aproveitando a viagem: Suplicy, você não é hacker de nada, pelo menos até agora. É dado à presidente decidir sobre tudo? Não, ainda bem, não vivemos um regime totalitário. Também não está previsto que ela deve calar-se sobre tudo. Blairo Maggi, Marco Feliciano, Renan Calheiros, massacres dos povos indígenas (somos todos nós, sim), repressão aos movimentos sociais (de novo)? Poderia pensar nesses moviemntos como um complô da direita mais adepta dos valores bélicos-feudais, associada aos militares, com o intuito de atingir a presidente, uma represália pela Comissão da Verdade (essencial!) e pela atenção às camadas populares (mais ainda!). Mas e quando estão lá, calados ou ratificando o procedimento policial, Haddad na prefeitura de São Paulo e Agnello no governo do Distrito Federal? Dizer que o movimento que está se instaurando não tem líderes é começar a entendê-lo, mas dizer que não tem “cabeças” não equivale a chamá-lo de acéfalo. Isso seria desfazer de toda uma constituição humana, de tudo que nos trouxe até esse ano de 2013. Todas as realizações sociais, artísticas, científicas, tecnológicas. Estamos apoiados em ombros de gigantes, é que alguns ensinamentos precisam ser postos em prática e sair da esfera teórica. É que um corpo na rua, em disputa, terá sempre mais impacto que qualquer redução retórica. Na prática, a teoria é outra. Andando juntas, teoria e prática, se auto-criticando, aí alcançam uma grandiosidade humana. Transformar o grito em voz, o ruído em ações que se efetivem para o bem comum é o desafio que se coloca. Não cansar e acabar servindo de massa de manobra para fins escusos é um desafio secundário, no sentido que não pode nos paralisar, mas não menos importante – é necessário refletir sobre o que se faz e como mudanças podem ser implementadas. É difícil conceber que as pessoas que estão indo pra rua se arriscar a apanhar estão fazendo isso em nome de uma sociedade asséptica e retrógrada. É maravilhoso ver que existem pessoas que não querem morrer no tédio blasé que a sociedade de consumo oferece. Um pouco de possível, senão eu sufoco, já disseram também. Um convite aos participantes dos movimentos que pode ser feito é o de conhecer as imagens do seu país. Não se enganem, galera, o comercial da Fiat com aquela musiquinha faz parte do mesmo projeto estético dos mega-eventos. Podemos devorá-los, à vontade, façamos isso, sempre. Mas tem muita música incrível, muito filme, muita dança, muita performance, muita poesia , fotografia, planos, projetos, feitos por muito artista incrível no nosso país, que trabalha todo dia por uma mudança de perspectiva na ordem social, que está atento ao movimento dos outros setores da sociedade. É a força da diferença se impondo. E não me refiro à música ou filme de protesto, que mais lembra ecos de tempos passados (importantíssimos pra o que vivemos agora) mas de olhares sobre nossa realidade que não estão comprometidos com uma organização macro-estrutural onde poquíssimas empresas controlam a maior parte da riqueza humana. É contra essa macro-estrutura que os movimentos se insurgem. E que também convidam os artistas a se posicionar e não se embreagar diante da perspectiva de se auto-sustentar. Esse conceito é uma fraude, não existe nada auto-sustentável, é tudo relação e conexão. Ou, inversamente, diante da Terra, assumimos nossa pequenez e entendemos que tudo é sustentável, qualquer violência nossa, até que ela faça a sua opção por organismos mais interessantes. Voltando à triste anedota fortalezense, Dilma vai ser devorada na primeira oportunidade por esses caras por quem tem nos dado seu silêncio. E não venham fazer exercício retórico que foi culpa da população ou de classe x ou y. O jogo é sujo, é antigo e o sangue é de barata. A população ,que geralmente assiste, se sentindo impotente, vai pra rua. E não, movimento cara-pintada não me comove, apesar de eu ter foto de criança segurando bandeira e indo pra rua. Sou grato aos meus pais por isso. Fica difícil defender, inclusive, qualquer tipo de respeito à soberania do estado com o nível de submissão que esses mega-eventos impõem ao país. O hino dos países só pode ter noventa segundos – isso é técnico. E estético. E informa: a FIFA é soberana em relação aos lugares por onde passa, implantando seu não-lugar. Não é simbólico, é material. Uma música que tem chegado em meus ouvidos como um hino para os mega-eventos diz: “Imagine um pobre com dente de ouro”. No videoclip da minha cabeça, só vem Cid Gomes, Eduardo Paes, Geraldo Alckmin, outros já citados e mais uma lista enorme. O pobre é o de espírito. É o país que dormiu liso e acordou novo-rico e agora “tem horror a pobre" e gente no meio da rua. O povo é sempre aquele que falta, o que está pra se constituir."
Posted on: Mon, 17 Jun 2013 00:52:38 +0000

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