Os amigos mais veteranos sabem que, durante quatro anos, Raul e eu - TopicsExpress



          

Os amigos mais veteranos sabem que, durante quatro anos, Raul e eu escrevemos semanalmente para um importante jornal local. Eis um de nossos textos de maior repercussão, aceitação e impacto, muito oportuno na presente data. Obrigado pelo seu apreço do olhar e consideração da leitura! *** LIBERTAÇÕES COTIDIANAS Nilson Calasans Raul Robson Sippel Recentemente presenciei um impasse, quase celeuma, entre duas amigas de longa data acerca da questão religiosa. Ambas trilharam os mesmos caminhos ao abraçarem uma seita e tornaram-se íntimas, confidentes e, sobretudo, companheiras. A partir de um determinado momento, uma delas abandonou, não suas convicções, mas o corolário de ritos e obrigações cotidianas, legando a outra ao seu desamparo irredutível, velado e sintomático. Uma das finalidades das religiões é dar sentido à vida, oferecendo-nos respostas que, em verdade, não existem. Quanto maior a angústia acerca do não-ser e nada saber, mais a necessidade de crença, maior a fé. Nesse aspecto, as religiões são muito competentes. Qual sua questão? A morte? Pois na nossa religião você terá vida eterna, e mais, ao lado do Pai, todo poderoso e onipotente, do qual você é imagem e semelhança. Que tal? Bingo! Ou, quem sabe, sua vida se perpetuará em reencarnações múltiplas, o que tornará sua existência menos efêmera, insossa e reles. UAU! Pagamos elevado preço para nos inserirmos em uma cultura e em uma sociedade. O preço da civilidade é enorme em termos de embotamento do próprio desejo. Deixamos de ser quadrúpedes, tornamo-nos bípedes e enquadrados em normas e regras incompatíveis com os mais vorazes e vulcânicos clamores do nosso desejo. Como o recalque não dá conta de freá-los totalmente, acabamos por, além do mal-estar, viver cheios de manias, doenças e transtornos, que decorrem exatamente do feito de sermos habitados por tudo aquilo que não conseguimos pensar em consciência, muito menos enunciar, mas que nos move. Instituímos normas canônicas e sacras para indevassáveis desejos prostitutos, selvagens e abissais, na ilusão de que a conta iria bater. A religião, a moral, o recalque, são fundamentais para que possamos viver em sociedade, mas sua incompetência faz com que nossas desejos mais secretos se viabilizem em sintomas, que, ao mesmo tempo que nos aliviam e dão prazer, com o desprazer, geram culpas, que retroalimentam os sintomas, o mal-estar e as doenças. Sem sabê-lo, minha amada amiga deu um passo derradeiro ao conseguir abandonar seu culto mercenário e rigoroso, na medida em que, em verdade, introjetou eticamente sua lei, baliza e parâmetro de vida. Não é mais um comando externo, calcado em um padrão ou modelo repressor e enlouquecido, imaginariamente competente e idealizado, que a rege. O pai e sua simbologia legal tornaram-se sua matriz. Minha querida, hoje, é conhecedora de seus ímpetos mais inconfessáveis e consegue ou abandoná-los, ou adaptá-los à cultura para viabilizá-los, ou simplesmente torná-los exequíveis, a partir de fundamentos e valores éticos, sobre os quais consegue pensar e discorrer. Tudo pode, desde que não seja prejudicial a um Outro, qualquer outro, nem a si. Doa a quem doer. Assim, desobrigada e desalienada do desejo manipulador de um grande Outro externo, que, inclusive, muito lucrava com seu sintoma, ato e culpa; verdadeiramente livre – de si, mormente -, passou, responsavelmente, a ser senhora da própria verdade e do próprio nariz, tornando-se mais saudável e feliz. Amem. ***
Posted on: Tue, 23 Jul 2013 15:02:40 +0000

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