Super-heróis e Guerra Fria - Parte II Por Túlio Vilela Homem - TopicsExpress



          

Super-heróis e Guerra Fria - Parte II Por Túlio Vilela Homem Aranha Embora a origem do Homem-Aranha (criado por Stan Lee em parceria com o desenhista Steve Ditko) fosse outro absurdo científico dos gibis da Marvel, ela também refletia o clima da época. Na história original (publicada em maio de 1962 no último número da "Amazing Fantasy", gibi que publicava histórias de terror e ficção científica), o estudante Peter Parker é picado por uma aranha radioativa. A história fez tanto sucesso que, pouco depois, o herói aracnídeo passou a estrelar seu próprio gibi. Décadas depois, quando o Homem-Aranha foi adaptado para o cinema na superprodução estrelada por Tobey Maguire, Parker é picado por uma aranha geneticamente alterada. Cada versão reflete sua respectiva época: quando a primeira foi publicada, a ciência da moda era a física nuclear, por causa do horror e, ao mesmo tempo, o fascínio que a energia atômica despertava nas pessoas (o medo de uma guerra apocalíptica, o uso da radioterapia na medicina, as usinas atômicas como fonte de energia); já no começo do século 21, a onda é a genética, com os exames de DNA, as terapias de manipulação de genes, as experiências com clonagem e células-tronco. Homem de Ferro Em matéria de política, o Homem de Ferro é mesmo o super-herói da direita. Em sua primeira aventura (publicada em 1963 na revista "Tales of Suspense"), ficamos sabendo que ele é o industrial milionário Tony Stark, cuja empresa fabrica armas e equipamento para o Exército dos EUA na Guerra do Vietnã. Aquela primeira história surgiu uns dois anos antes de os EUA intervirem maciçamente no Vietnã. Essa ação militar objetivava deter o avanço do comunismo na Ásia, como os americanos já haviam feito (com ou sem sucesso) na China e na Coréia. A Guerra do Vietnã é um exemplo dos vários conflitos localizados que ocorreram durante a Guerra Fria: as duas superpotências evitavam um choque militar direto, mas procuravam manter ou aumentar suas áreas de influência, interferindo direta ou indiretamente em guerras em outras partes do mundo, sobretudo na Ásia e na África. Voltando à origem do Homem de Ferro, Tony Stark está no Vietnã para supervisionar um teste com os "microtransistores" criados por ele. Então, acidentalmente, pisa numa mina explosiva, é feito prisioneiro pelos vietcongues e se vê obrigado a criar uma nova arma para eles. No entanto, salva a própria vida construindo uma poderosa armadura que também possui marca-passo (os estilhaços da mina se alojaram em seu coração, e Stark fica com poucas horas de vida). Stark se torna o Homem de Ferro e põe os vietcongues para correr. Na vida real, a coisa foi bem diferente, porque a Guerra do Vietnã acabaria sendo um desastre para os EUA. Os vietcongues mostrados pareciam os vilões japoneses dos gibis da Segunda Guerra Mundial. Tempos depois, Stan Lee comentou a personagem do Homem de Ferro com certo constrangimento, dada a impopularidade da Guerra do Vietnã nos EUA (o que ajuda a explicar por que esse conflito inspirou menos gibis do que a Segunda Guerra Mundial). Segundo Lee, quando surgiu o Homem de Ferro, ainda se tinha uma visão ingênua do conflito, "uma guerra do bem contra o mal". Falando do mesmo assunto, Lee destacava que a Marvel Comics tinha escritores e desenhistas de todas as posições políticas. Mas, se comparado a outros gibis da Marvel, o anticomunismo era de fato mais evidente nas revistas do Homem de Ferro, em que ele costumava enfrentar inimigos vindos da URSS e da República Popular da China. Entre os adversários soviéticos, estavam o Dínamo Escarlate, que também usava uma armadura (não custa lembrar que vários times de futebol da URSS se chamavam Dínamo, como o legendário Dínamo de Kiev), e a Viúva Negra, uma agente secreta da KGB (a agência soviética de espionagem). A Viúva Negra acabaria traindo o governo de seu país ao se apaixonar por alguns super-heróis da Marvel, como o Demolidor. X-Men Como todo o mundo que já leu o gibi ou assistiu aos desenhos ou filmes já sabe, os X-Men (outro grupo de heróis criado pela dupla Stan Lee e Jack Kirby) são mutantes. A palavra "mutante" é outro termo científico que se popularizou após Hiroshima e Nagasaki. A radioatividade pode causar mutações genéticas, mas, diferentemente do que mostram os quadrinhos, elas não são benéficas nem aparecem na forma de "superpoderes". Manifestam-se, isto sim, como doenças e deformações de nascença. Aliás, também na década de 1960 (quando foram lançados os X-Men), a cantora Rita Lee liderou no Brasil uma banda de rock chamada Os Mutantes, que, numa de suas canções, falava dos "mutantes de Hiroshima". Nos gibis dos X-Men, era comum que os mutantes fossem filhos de pais que haviam trabalhado em usinas nucleares, onde teriam sido expostos à radiação sem saber. Daí os X-Men serem apelidados "filhos do átomo", expressão tirada de um romance de ficção científica que certamente serviu de inspiração para os quadrinhos. Segundo alguns críticos, outro aspecto da época presente nos X-Men são os conflitos raciais que os EUA viveram nos anos 1960 e 1970. Para esses críticos, a luta do Professor Xavier pela convivência pacífica entre os mutantes e os humanos comuns era semelhante ao discurso de Martin Luther King, o líder negro norte-americano que defendia a harmonia entre negros e brancos e o uso de métodos não-violentos para protestar contra o racismo. Por outro lado, as táticas do adversário de Xavier, o também mutante Magneto, guardavam semelhanças com as de outro líder negro norte-americano, Malcolm X: da mesma forma que Magneto defendia a guerra entre humanos e mutantes, Malcolm X propunha que os negros usassem métodos violentos contra a discriminação praticada pelos brancos. Ou seja, tanto na vida quanto nos quadrinhos, temos a história de dois líderes que usam métodos diferentes para defender os direitos das minorias que representam. O tema do racismo tem igualmente relação com a Guerra Fria, já que o racismo norte-americano sempre foi um dos aspectos negativos reforçados pela propaganda política da URSS (embora esta também praticasse a perseguição aos judeus e a várias minorias étnicas). Por esses exemplos, vemos como os gibis de super-heróis dos anos 1960 refletiram a situação política da época ou se inspiraram nela. Certamente, se tivessem sido criados na União Soviética e não nos Estados Unidos, mostrariam um ponto de vista muito diferente.
Posted on: Fri, 20 Sep 2013 23:42:47 +0000

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