Constatei apenas neste dia e em prosa venho declarar: não sou - TopicsExpress



          

Constatei apenas neste dia e em prosa venho declarar: não sou poeta. Percepção tardia esta, posto que meu atrevimento já percorreu tantos olhos por aí. E sobre aquelas frases-firulas, escritas uma abaixo da outra? Não se iludam. São apenas fachadas reformadas, recurso de um arquiteto sem partido. Quem diria, aliás, ser esta a manhã que acompanharia a descoberta do meu não-ser, mais um enterro das minhas muitas quimeras… Pois é, doutor, não sou poeta. “Nem atleta”, completa minha coluna. Engraçado como a descoberta verídica de tudo o que sentimos, o amor como porta-bandeira, surge apenas após a vinda daquela chata maturação, que nos diz se dentro do ovo tem pintinho ou apenas gema. Não que eu não goste de gema, a propósito, mas sempre é melhor ter ciência do conteúdo do ovo antes de dar o seu devido uso. Quantas vezes fritamos um quase ser, achando que iríamos desfrutar de um rápido café da manhã? Desculpem o devaneio, a ponte poet’ovo chegará. Talvez. Voltemos. “Quando a gente ama, a gente se sente frágil. Eu sou frágil”, escreveu meu pai, um brejeiro de raríssimas demonstrações de afeto, quando namorava Dona Selminha. Mais de duas décadas depois, aquela frase que, achava eu, se limitaria a ser das melhores gozações eternizadas pela família – imagine meu tio recitando-a, com voz afeminada -, vem hoje encandear a compreensão que me faz negar a alcunha. É exatamente isso, painho! O amor desmontou sua casca grossa e o tornou frágil; essa fragilidade, o x da questão, o fez descrevê-lo assim, contrariando todos os seus trejeitos para expor o que sentia. Aquele que nunca mais viria a escrever outra coisa do tipo acabou por resumir a causa-efeito do verdadeiro poeta. Quando a gente ama, a gente se sente frágil. Eu sou frágil. Lanço então as questões: qual poeta, em sua particular lucidez, abriria mão de se lambuzar nas palavras oriundas do amor verdadeiro? Qual poeta, me diga, se contentaria com a formação de alegóricas musas e imaginárias sensações, havendo dentro de si uma força motriz geradora de infinita inspiração? Qual Neruda se limitaria ao horizonte, havendo dentro de si uma Matilde, uma chascona? O confronto destas perguntas – de respostas negativas – se une à frase de meu pai para estampar que não sou poeta. A fragilidade, ao passo que me envolve, adquire resistência ao grafite poético. Até tentei caneta, mas também não funcionou. Quando busco escrever nesta condição, sinto como se eu levantasse a bandeira do PSTU num protesto contra o preço do iPhone no Brasil. “Sem partido! Sem partido!” É o que ouço, quando o papel observa meu frágil tremular. Será que a voz do meu tio em tom afeminado ecoa sempre em meu inconsciente, quando tento seguir os passos literários de meu antecessor? O não-sentir é exatamente aquele que me estimula a escrever. O não-sentir-pintinho, claro, já que de sentir-gemada o meu bloquinho – e o inferno – está bem cheio. De sentir-gemadas e de ovos não quebrados, inclusive. Ao poeta, não lhe resta a licença de saber o que há no ovo. Ele escreve o que sente, mesmo em face ao branco da casca. Sendo gema lá dentro, escreve sobre as texturas, cores e sabores que lhe é creditada. Havendo pintinho, escreve sobre seu bico, suas ralas penas, o milho que come e seu primeiro ciscar. Escreve quando cresce, até a sua morte e muito depois dela. Escreve sobre sua presença, sua falta, seus sonhos, seus traumas. Sonhos e traumas? Um pintinho?! Sem partido! Sem partido! Pois bem, frigidos os ovos e concluída a estranha ponte que prometi, termino essa conversa me achando ainda menos poeta. Se queres um último argumento, darei: há dias, não consigo escrever sequer aquelas frases-firulas, escritas uma abaixo da outra. O motivo, apenas quando o ovo se abrir e de lá vier o pintinho, já que se gema fosse, não haveria problema. Aliás, falando em problema, quem nasceu primeiro: o ovo, o pintinho ou o poema?
Posted on: Thu, 08 Aug 2013 21:39:38 +0000

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