Estamos sempre, e cada vez mais, à beira do cerco e do - TopicsExpress



          

Estamos sempre, e cada vez mais, à beira do cerco e do progressivo abandono de um sapato violentamente subtraído à forma humana. No campo de Auschwitz - Birkenau, mais do que a linha ferroviária da morte, mais do que os fornos crematórios e mais do que a longa asfixia das paredes de arame, estes sapatos gritam até ao fim dos tempos o vazio absurdo de um pé. Muitas vezes o horror não é tão perceptível no ar aberto dos grandes espaços como em pequenos objectos como estes, que parecem guardar ainda, no desamparo da sua forma, a sombra do gesto humano. Somos continuamente aprendizes de feiticeiros, para evocar aqui o título de mais um poema do magnífico Rui Knopfli, escrito com a imagem do Tarrafal a rondar-lhe os versos: APRENDIZES DE FEITICEIROS Apenas aprendizes, carecemos talvez o clínico rigor teutónico. Não o entusiasmo, porém. Ignoramos a técnica aperfeiçoada dos quebra-luzes, o refinamento de certos processos mais requintados. Mal iniciámos este artesanato e já abundam os souvenirs embora um pouco toscos e mal curtidos. Dachau, Belsen, Auschwitz operavam sobre polidas esferas a uma escala certamente industrial que nos confere este ar de amadores canhestros e um pouco provincianos com que misturamos jogos reeducativos, filarmónicas de aldeia e récitas, a coisas que deviam ser objecto exclusivo das ciências aplicadas. Haja paciência: lá chegaremos
Posted on: Sun, 01 Sep 2013 08:56:58 +0000

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