Um desabafo... Essa semana estive em um Fórum que discutia a - TopicsExpress



          

Um desabafo... Essa semana estive em um Fórum que discutia a escuta de crianças e adolescentes em situações em que eram vítimas de crimes. E para minha imensa surpresa, existe uma quantidade alta de profissionais da área de psicologia que apoiam o procedimento do Depoimento sem Dano. Escutei de uma professora, doutora em psicologia, teórica da área forense, que não conseguia ver nenhum ponto negativo em tal prática. Porém, para alívio de minha alma, um promotor de justiça do estado do Paraná- altamente esclarecido- discursou sobre sua posição contrária à prática de tal dinâmica para coleta de provas. Ele colocou que se trata de uma prática que desvaloriza a atuação do psicólogo, uma vez que esse profissional serviria de "papagaio", repetindo o que o juiz fala. Essa sua fala causou revolta em muitos psicólogos, que se sentiram altamente ofendidos. Aí que foi minha maior decepção: em primeiro lugar, o que operador de direito falou foi no sentido de valorizar o psicólogo, colocando que nosso trabalho pode ir muito além do que ser mero intérprete de um juiz, situação essa, que na minha opinião, não exige muitas competências do profissional de psicologia, pois como mesmo disse, de maneira brilhante o promotor de justiça, qualquer um pode entrar numa sala, isolada, e repetir as perguntas à criança. É obrigação de todo profissional que trabalha na área, não somente do psicólogo, "ter jeito" para lidar com o assunto e saber se comunicar com o infante. O diferencial do psicólogo, na minha opinião, é que, quando realiza uma escuta de uma criança em situação de violência, seja na fase policial ou judicial, ele tem conhecimento técnico (ou deveria, obrigatoriamente, ter) acerca do desenvolvimento infantil e, em seu laudo, parecer, relatório, seja qual for o nome do documento por ele elaborado, colocar aquilo que escutou de maneira já "interpretada", fazendo as devidas análises psicológicas da fala e da dinâmica da situação que envolveu a criança. Se for para o depoimento ser exposto em sua íntegra, visto em seu sentido literal, a figura do psicólogo é dispensável sim, pois cada um pode interpretar de acordo com seus critérios subjetivos aquilo que vê/ouve. Nós que trabalhamos com crianças sabemos que muitas vezes sua fala precisa ser aprofundada, pois as coisas nem sempre são o que parecem. Um único atendimento, comumente, é insuficiente para a realização desse trabalho. O discurso de que criança não mente, ou que criança inventa coisas, fantasiando tudo, é senso-comum. Por estar em fase de desenvolvimento, ela tem sua maneira própria de se comunicar, o que não necessariamente é mentira ou fantasia, ou a mais pura realidade. Infelizmente a mesma profissional psicóloga que defendia o DSD disse que a criança não tem repertório suficiente para inventar mentiras, o que me remeteu a uma visão reducionista e positivista sobre a infância, e mais, me deixou bastante horrorizada. Quanto à proposta do promotor de justiça acerca de tal prática de escuta, ele colocou que deveria haver centros multiprofissionais para atender essas crianças, e nesse local, com o atendimento adequado, por profissionais qualificados, seria elaborado um documento, com características de perícia, que deveria ser a prova antecipada, e que permitiria sim, o contraditório e a ampla defesa, nos casos em trâmite. Dessa maneira, seria dispensável a escuta da criança em juízo. Porém, como ele mesmo ressaltou, e nesse momento, foi vítima de interpretações absurdas dos que se sentiram ofendidos (por meio de suas projeções mal resolvidas), os profissionais que realizariam esse trabalho precisariam ser qualificados e estar aptos para tal, o que infelizmente não está acontecendo. Aí começou a revolta no auditório, e o ataque dos psicólogos. Pois é, a que conclusão cheguei com isso? Que muitos profissionais formados em psicologia estão vendendo sua profissão. Na minha visão isso está parecendo mercenarismo, em que o psicólogo está se colocando a favor do sistema de repressão e controle de poder, ao invés de lutar para modifica-lo. Está colocando seu saber para a manutenção do estado e preconceitos, onde impera-se a desigualdade, respondendo à demanda do que lhe é solicitado pelo "poder". Abre-se uma porta no judiciário, e suas questões narcísicas fazem seus olhos brilharem com a possibilidade de acariciamento de seus egos, ao responderem o que lhes é de fato solicitado. Entendo que a ética na psicologia é a única coisa que caracteriza nossa profissão, e a qualifica como tal. Falo de ética em seu sentido mais fundamental, em que o profissional precisa avaliar e prever que consequências sua atuação pode trazer. Infelizmente, está sendo muito difícil isso ser compreendido por muitos psicólogos, que não avaliam criticamente aquilo que fazem, pois trabalham com suas próprias convicções e certezas, sem ao menos, colocarem diariamente sua prática em discussão. Não há reflexão, e isso vai transformar, em algum tempo, nós, psicólogos que atuamos na área jurídica, em colhedores de depoimentos. Talvez seja falta de análise, terapia, para que possamos lidar melhor com nossas próprias questões e pararmos de ficar projetando nossos conteúdos inconscientes sobre o atendido. Termino aqui meu desabafo com uma fala do promotor de justiça, que tão mal interpretado, e diria, injustiçado, por egos à beira de serem desintegrados com o que escutavam: precisamos evoluir, e o depoimento sem dano é algo medieval, afinal ele é sem dano para quem? Para o juiz, para o promotor, para o advogado, para a manutenção do sistema?
Posted on: Thu, 05 Sep 2013 12:40:55 +0000

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