A Fifa não é fofa Juca Kfouri 29/10/2013 17:06 comentário - TopicsExpress



          

A Fifa não é fofa Juca Kfouri 29/10/2013 17:06 comentário para a revista “POLÍTICA EXTERNA O acrônimo Fifa foi presença constante nos protestos de junho que mudaram o Brasil. Sem que se dê à constatação ares de importância exagerada – para não repetir a velha piada do japonês que se achava responsável pela explosão da bomba atômica em Hiroshima por ter acontecido no mesmo instante em que ele deu a descarga em seu banheiro –, não será demais dizer que a Copa das Confederações, ou das Manifestações, contribuiu como gota d’água para transbordar o copo da insatisfação ampla, geral e irrestrita. Porque a exigência do tal padrão Fifa para as escolas, hospitais, transportes cole tivos como se viu em tantos cartazes e faixas e se ouviu em tantos coros dos ativistas, foi despertada pela apresentação dos novos estádios nas seis cidades brasileiras que sediaram o torneio. Estádios, ou arenas – como virou moda dizer apesar do evidente atropelo à última flor do lácio, pois futebol se joga na grama, não na areia, a não ser na praia –, suntuosos, faraônicos, megalomaníacos, padrão Fifa. Impossível olhar por fora para o belíssimo Mané Garrincha, em Brasília, onde se gastou mais de R$ 1 bilhão e meio de dinheiro público, e não se chocar com a extravagância. Pior apenas é conhecê-lo por dentro e se dar conta do acabamento de terceira, injustificável diante do tamanho do investimento, embora coerentemente adequado para uma cidade que não tem clubes nem na primeira nem na segunda divisões principais do futebol nacional. Em Fortaleza a impressão é semelhante, agravada pela região miserável em que está o novo Castelão e numa cidade em que a principal praia, na avenida Beira-Mar, é tão poluída que proíbe o banho em suas águas. Diabolizada, a Fifa se defende, ao dizer que não exigiu belezuras e as imputa às coisas nossas, como garante não ter exigido as demolições em torno do Maracanã, enfim suspensas na base do desespero pelo governo fluminense. Como um mantra, a Fifa repete que não pediu que o Brasil sediasse a Copa do Mundo, ao contrário – e não deixa de ter razão.A maior parte da gastança, que não considerou as prioridades corretas como os legados de mobilidade urbana nas 12 cidades da Copa do Mundo, é mesmo de responsabilidade dos governos municipais, estaduais e federal. Mesmo em São Paulo, onde o Morumbi foi descartado por capricho, em nome de levar progresso para Itaquera, como se praças esportivas fossem fator de desenvolvimento, o que o Engenhão, erguido para receber os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio, desmente sobejamente – para não falar do Soccer City, no Soweto, em Johanesburgo, na África do Sul. O que a Fifa não pode negar é que as mais recentes escolhas das sedes de Copas de Mundo obedecem, não por coincidência, um suspeito roteiro: a África do Sul em 2010, o Brasil em 2014, a Rússia em 2018 e o Qatar, em 2022, têm em comum o pouco controle social e, nos três primeiros casos, a corrupção desenfreada. O Qatar também obedece à lógica do tudo por fazer, mas, lá, o dinheiro jorra dos poços de petróleo. Não foi por acaso, portanto, que a Inglaterra, pronta para começar amanhã qualquer que seja a competição esportiva, candidata a receber a Copa de 2018, teve apenas um voto no Comitê executivo da Fifa. Um voto! Escândalo cuja explicação está na vigilância que a imprensa britânica exerceu desde que foi anunciada a candidatura. A gigantesca multinacional das quatro letras que significam, em francês, Fédération Internationale de Football Association, vive de seus altos patrocínios, dos direitos de TV e dos festivais de futebol que organiza pelo mundo afora, nas mais diversas categorias. Orgulha-se de ter 209 filiados, mais que a ONU, que tem 192, e que o Comitê Olímpico Internacional, o COI, com 204. Palco permanente de denúncias de lavagem de dinheiro, propinas dos mais diversos tipos, seus dirigentes, mesmo assim, são bajulados por reis, rainhas, presidentes, primeiros-ministros, ditadores, governadores e alcaides de todas as partes do mundo. Sob a falácia de ser entidade apolítica, faz permanentemente política da pior qualidade ao conviver, como conviveu e convive, com ditaduras espalhadas pelo mundo em nome do esporte, que estaria acima de tudo, do bem e do mal. Exemplo gritante se deu em 1978, na Argentina de Rafael Videla, onde aconteceu a mais sombria de todas as Copas. Não se trata de dizer, como simploriamente tem sido repetido no Brasil, que a Fifa interfere na soberania dos países que recebem seus torneios, porque é inimaginável pensar que os Estados Unidos, em 1994, ou a França, quatro anos depois, ou a Alemanha, em 2006, tenham negociado suas soberanias para sediar as Copas do Mundo que organizaram. Não, aviões da Fifa não tomarão nosso espaço aéreo, nem seus submarinos e fragatas vigiarão nosso litoral, simplesmente porque a Fifa não tem nem aviões, nem submarinos, nem fragatas. Mais realista será considerar, como, diziam nossas avós, que o que é combinado não é caro nem barato e que cada país combina como fazer a festa da Fifa do jeito que puder. Daí as isenções de impostos, a quebra de leis que proíbem a venda de bebidas alcoólicas em estádios, a liberação das fronteiras sem apresentação de passaportes para quem tiver ingressos etc. tudo previsto pelo chamado Caderno de Encargos, antecipadamente aceito pelos países candidatos. Impositiva, a Fifa não quer saber se quem fará sua festa terá lucro ou não. Importa garantir o seu, cada vez maior, à medida que as Copas se sucedem. Na África do Sul, por exemplo, a entidade lucrou R$ 4 bilhões e 700 milhões, 50% a mais que quatro anos antes, na Alemanha, e espera lucrar algo em torno de R$ 5 bilhões no Brasil. Estima-se que seu lucro na primeira Copa disputada em solo africano tenha significado um prejuízo para os organizadores quase da mesma magnitude, na casa dos R$ 4 bilhões. É claro que essa conta não deve ser feita apenas calculando o quanto se gastou e o quanto entrou no país, pois há os ganhos indiretos, futuros, como o do espera- do aumento do fluxo de turistas graças à divulgação em escala planetária das atrações do país. Mas, no caso africano, o que se sabe é que o anúncio não só não foi tão bom assim como, ainda por cima, restaram elefantes brancos que já vivem sob a ameaça de serem implodidos, tais são os gastos para mantê-los ociosos, modelo que o Brasil reproduz ao erguer estádios em Cuiabá, Manaus, Natal e Brasília. Durante megaeventos como Copas do Mundo e Olimpíadas, é sabido que o dinheiro deixado pelos turistas costuma ser inferior ao gasto em temporadas normais, porque quem vem de fora não é o habitual hóspede de bons hotéis, ou o cliente de restaurantes refinados, ou o consumidor inveterado dos produtos locais, mas, sim, o aficionado por esportes, que quer ver os jogos, se alimenta em lanchonetes e se hospeda de preferência em albergues e quetais, com dinheiro contado. Na verdade, os bons hotéis são oficialmente tomados pelos homens da Fifa e seus convidados Vips, a preços bem abaixo das diárias cobradas normalmente. Alguém já disse que uma Copa do Mundo é a oportunidade que o país sede tem de fazer um anúncio de si mesmo por um mês. É verdade, só que com o risco de fazer um mau anúncio. E é o que se teme que ocorra no Brasil, principalmente se o povo que foi às ruas em junho passado tiver tomado gosto a ponto de voltar no ano que vem. Segundo o que já foi dito pelo presidente da Fifa, se isso acontecer ficará demonstrado que a escolha do Brasil foi um erro. Dependerá, é claro, do ponto de vista. A imprensa alemã tem manifestado admiração e até mesmo uma certa inveja dos brasileiros que não se calaram como eles, alemães, em 2006. Aliás, é curioso como a imprensa estrangeira se surpreendeu ao dar de cara com um Brasil reivindicante. É tão fixa a ideia do país festivo, do Carnaval, das belas mulheres e do futebol, que todos se esquecem dos milhões nas praças na campanha das Diretas Já! e do impeachment de Fernando Collor, relativa mente recentes, assim como ignoram os inúmeros conflitos que pontuam a História, de norte a sul, do Brasil. De outro lado, por aqui, há quem diga que até mesmo o tal padrão Fifa é politicamente incorreto para escolas e hospitais, porque com o DNA da exclusão, haja vista o embranquecimento visto nos estádios que receberam os jogos da Copa das Confederações, ou das Manifestações. Até mesmo num jogo da Nigéria, na nova Fonte Nova, na negra Salvador, o fenômeno foi perceptível, devido aos altos preços dos ingressos. Sim, na nossa Belíndia, a Copa é exclusividade da porção belga. Prova de que, diferentemente do que se disse do papa, a Fifa não é fofa.
Posted on: Wed, 30 Oct 2013 02:35:52 +0000

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