A Morte Como Herança. autor: ALEX AZEVEDO DIAS. Enlaçou um - TopicsExpress



          

A Morte Como Herança. autor: ALEX AZEVEDO DIAS. Enlaçou um cachecol no pescoço para não ter a cabeça decepada pelo frio cortante. Estancou os passos diante dos portões de uma mansão abandonada. Tirou um bloquinho de anotações de um dos bolsos do casaco e o analisou atentamente para se certificar do endereço. Era aquele mesmo. A leitura do testamento do seu pai foi muito clara. Havia um casarão desconhecido que recebera como herança. Cogitou a possibilidade de esperar o inverno rigoroso chegar ao fim, mas precisava honrar a vontade do seu falecido pai, expressa naquelas breves linhas póstumas. A casa aparentava ter uma dimensão avantajada. Toda feita em madeira maciça, tinha três andares e uma infinidade de cômodos. Aluísio precisou caminhar quase duas horas, passando por uma trilha de terra batida, cercada por densa mata. Dirigira até o limite da estrada. Ao se informar com um sujeito de aspecto estranho que caminhava pelo acostamento, empurrando um carrinho de mão coberto por um pano desbotado, estremeceu. Soube que precisava deixar o carro, pois a partir dali o percurso tornaria inacessível a passagem de qualquer automóvel. Aluísio coçou a cabeça, respirou fundo, enxugou uma pequena gota de suor frio que lhe brotara da testa, estacionou o carro numa entradinha próxima à estrada e seguiu a pé. Perante o portão, tentou tocar a campainha, mas a falta de energia elétrica impediu tal intento. Recuou. Viu um adorno de leão feito de ferro abaixo do olho mágico. Desse adorno pendia uma pequena alça móvel que Aluísio utilizou para dar duas batidas. O som reverberou na mansão num tal acústico que parecia haver um grande vazio lá dentro, um espaço oco, sem móveis. O olho mágico estava tampado por uma massa verde, como se alguém de fora, sentindo-se inexplicavelmente vigiado, usasse tal artifício para se ver livre da perseguição. Antes de Aluísio dar a terceira batida, um barulho de ferrolho fez-se ouvir, destrancando a porta. Aluísio abriu e um pesado breu evadiu-se da casa. Um tanto hesitante, ele entrou tateando tudo que encontrava pela frente até que suas vistas acostumassem com a escuridão. Logo que entrou, sentiu o corpo todo emaranhado por pegajosas teias de aranha. A casa estava toda entregue aos aracnídeos. A poeira excessiva também o fez espirrar algumas vezes. Numa estante escostada no canto esquerdo do salão, havia uma caixa de velas e fósforos. Pegou um cinzeiro metálico e o emborcou. Riscou o fósforo, acendeu uma vela e a inclinou sobre o cinzeiro até que a chama derretesse a cera e a fizesse escorrer no objeto emborcado. Aluísio fixou a base da vela nas gotas de cera e suspendeu-a para iluminar o recinto. Na parede acima da estante, um grande espelho oval reluziu com a luz da vela. Um brilho intenso reproduziu, na parede oposta, imagens em movimento. Aluísio viu seu rosto assombrado no espelho. Manteve a vela suspensa para visualizar melhor. Algo em seu rosto o intrigara. Tentou olhar mais de perto. O contorno de uma barba espessa se delineou em sua imagem. Nunca usara barba. Seus lábios engrossaram. Sua pele tornou-se enrugada e quebradiça. Os cabelos ficaram grisalhos até branquearem por completo. Aluísio levou a mão ao peito para conter as palpitações cada vez mais frequentes, agravando a falta se ar. Era seu pai o dono daquela imagem. Sua face. Após reconhecer que seu próprio rosto metamorfoseara no rosto do seu pai, o espelho rachou e sua imagem se dividiu, separando o seu do rosto do velho pai. Aluísiu soltou um grito de pavor. A vela caiu. Ele se virou para trás e, mesmo sem o foco de luz, o rosto do seu pai apareceu iluminado. Logo ele ouviu seu pai ordenando para que seu filho virasse homem, que cumprisse a promessa. Aluísio não compreendeu. A voz se tornou mais grave, mais severa, e o tom de ordem fora sentido como uma facada em suas entranhas. Aluísio, que era médico, prometera ao seu pai curá-lo do câncer. Frustrado pela incapacidade de salvar sua vida, pela primeira vez, pois nunca cultuara nenhuma religião, Aluísio se ajoelhou diante de uma cruz e rezou. Pediu perdão por suas falhas e prometeu que se o seu pai morresse, morreria também logo depois, como punição por sua incompetência. Naquela mansão, seu pai retornara para cobrar a dívida ao filho. Aluísio sentiu fortes dores no peito e tombou desfalecido. Um clarão tomou conta da sala. Não era mais a manifestação daquele pai cobrador. A vela ao cair, não apagou. A chama acesa encostou na ponta de um dos panos que revestiam os móveis velhos. O fogo se espalhou com a rapidez de um último adeus. Em poucos minutos, o casarão jazia consumido pelas chamas. Pela distância da mansão, naquele fim de mundo, ninguém vira o vermelho-alaranjado das labaredas, nem sentira o calor excessivo do incêndio. Aluísio fora enterrado para sempre pelos escombros da mansão ardida em chamas. Pagara finalmente a derradeira promessa feita pela vida desperdiçada do seu pai. *
Posted on: Sat, 21 Sep 2013 05:18:34 +0000

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