A Tragédia de Santa Maria pelo ângulo que ninguém comenta A - TopicsExpress



          

A Tragédia de Santa Maria pelo ângulo que ninguém comenta A tragédia em Santa Maria me faz sentir uma mistura de raiva e desânimo. Raiva pela hipocrisia generalizada, desânimo pelo pacto de silêncio que nestes momentos se exige “em respeito às vítimas”, como se observar as verdadeiras dinâmicas políticas, sociais e econômicas por trás destes eventos fosse o problema e não a solução. Mas há um outro ângulo de visão por trás da fachada que cada grupo de interesse apresenta em público nestes momentos. A grande mídia A grande mídia colocou essa tragédia – com 232 mortos até agora – nas primeiras páginas e nos destaques dos jornais em todo o mundo. O tom é de suposta comoção e de suposta indignação pelo desperdício de vidas humanas. Mas quando morreram mais de 800 pessoas nos deslizamentos de terra da região serrana do Rio de Janeiro, fora os 450 desaparecidos, 8700 desabrigados e 20.800 desalojados, ninguém publicou uma edição inteira voltada a um único assunto, como fez Zero Hora nessa segunda-feira, nem cobrou com tanta gana uma investigação profunda e uma responsabilização exemplar dos responsáveis. Por quê? A vida humana não é tão preciosa em Nova Friburgo (408 vítimas fatais) quanto em Santa Maria (232 vítimas fatais)? A resposta é bem simples: em deslizamento de terras só morre pobre, enquanto no incêndio em Santa Maria quem morreu foram universitários das classes A e B, estudantes de medicina, direito, engenharia, veterinária, tecnologia de alimentos e outras profissões de primeira linha, “gente importante, filhos de gente importante”. Além disso, é muito fácil “apurar as responsabilidades” quando se trata de um estabelecimento privado cujo proprietário não é politicamente ativo e de funcionários de último escalão do poder público. Uns e outros, assim como as vítimas dos deslizamentos, não são “gente importante”. No caso dos deslizamentos, os responsáveis são políticos importantes, que deixam de aplicar a lei para não perder votos e são criticados apenas pró-forma, superficial e rapidamente quando acontece uma tragédia. A regra é clara: comoção da grande mídia e interesse por apuração rigorosa dos fatos e pelas devidas responsabilizações são coisas que só acontecem quando a vítima é importante e o responsável não é. O governo federal Nada poderia ser mais interessante para o governo federal do que essa tragédia em Santa Maria. Os holofotes se apagam sobre o mensalão, sobre a crise energética, sobre o aumento do preço dos combustíveis arquitetado para compensar a demagógica e eleitoreira redução do preço da energia elétrica e sobre os atrasos das obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas e se acendem sobre um empresário irresponsável, uma banda desastrada e meia dúzia de peões que falharam na fiscalização de uma legislação para a qual ninguém nunca dá bola a não ser quando é interessante para forrar o caixa com multas. Graças à tragédia em Santa Maria, o governo federal sai da condição incômoda de réu em processos de corrupção e emerge como paladino da justiça ao promover uma caça às bruxas contra as partes mais fracas da grande equação de responsabilidade que gerou o desastre, satisfazendo assim o desejo de vingança instigado pela grande mídia. O legislativo Como era de se esperar, o Congresso Nacional “já” prepara uma “legislação mais rigorosa” para “evitar que tragédias deste tipo se repitam”, como se esta fosse a primeira vez que isso ocorre. Mas a verdade é que diversas destas tragédias já abalaram o mundo e nunca o legislativo brasileiro se importou com a questão. Esperou que uma tragédia semelhante se abatesse sobre cidadãos brasileiros para então aproveitar a comoção pública e impor controle, fiscalização e multas que seriam vistas como indesejáveis – porque o são – em épocas de maior sanidade. 1929 – 22 mortos em incêndio em casa noturna de Detroit. 1940 – 207 mortos em incêndio em casa noturna no Mississipi. 1942 – 492 mortos em incêndio em casa noturna em Boston. 1970 – 146 mortos em incêndio em casa noturna em Saint Laurent du Pont. 1977 – 165 mortos em incêndio em casa noturna de Southgate. 1990 – 87 mortos em incêndio em casa noturna de Nova York. 1996 – 162 mortos em incêndio em casa noturna de Quezon City. 2003 – 21 mortos em incêndio em casa noturna de Chicago. 2003 – 100 mortos em incêndio em casa noturna de Rhode Island. 2004 – 149 mortos em incêndio em casa noturna de Buenos Aires. 2008 – 43 mortos em incêndio em casa noturna em Shenzen. 2009 – 66 mortos em incêndio em casa noturna em Bangcoc. 2009 – 109 mortos em incêndio em casa noturna em Perm. O assunto é novo? Alguém se importa de verdade com o tema? Ou “reagir rapidamente e promulgar legislação adequada para que tragédias como essa jamais se repitam” é puro oportunismo hipócrita? O judiciário Vi na TV um advogado criminalista cuspindo marimbondos para responsabilizar os bombeiros e os funcionários das secretarias de obras municipal e estadual devido à prevaricação no exercício do dever de fiscalizar, autuar e interditar os estabelecimentos que não cumprem à risca as regras de segurança exigidas em lei. Gostaria de saber se esse mesmo sujeito agiu do mesmo modo para responsabilizar os responsáveis pelos recentes apagões que me deixaram sem energia elétrica por 38 horas, ou pela superlotação e caos dos presídios (que já causaram inúmeros homicídios), ou pelas mortes de pessoas nas emergências hospitalares, ou pelas mortes no trânsito devidas ás más condições de conservação das estradas. Um judiciário interessado mais nos holofotes da imprensa do que na proteção das vidas dos cidadãos, que só age com rigor contra os ladrões de galinha e os casos de grande exposição midiática, cumpre um desserviço atroz contra a justiça e a segurança pública. Os professores Ué? Mas o que têm a ver os professores com isso? Simples: eu, você e todo estudante deste país fomos e somos enganados pelo MEC e por (quase) todos os nossos professores. Nós estudamos os afluentes do Amazonas, os estados produtores de bauxita e cassiterita, as características do movimento simbolista, as amantes de Dom Pedro II, as equações quadráticas e logarítmicas, os números quânticos, o movimento retilíneo uniformemente variado, as mitocôndrias e os dinoflagelados, resultado de milhares de horas desperdiçadas inutilmente em sala de aula, e não estudamos como calcular os juros do crediário, como acionar o PROCON e os JECs, como realizar uma reanimação cardio-respiratória ou como reagir a perigos inesperados em ambientes públicos. Toda a educação brasileira é uma farsa destinada a nos tornar muito bem informados sobre diversas inutilidades e a nos manter longe de qualquer possibilidade de aprender a pensar de modo inteligente, autônomo e eficaz sobre o mundo que nos cerca, sobre como gerenciá-lo e sobre as coisas realmente importantes para a vida. E os agentes dessa alienação e estupidificação em escala nacional são os professores que “educam” a mim, a você e a nossos filhos, enganando todo mundo e reproduzindo uma farsa arquitetada para nos manter facilmente manipuláveis enquanto eles são remunerados por nos amestrar, domesticar e emburrecer. Veja se os “mestres” propõe uma alteração nos currículos para realmente capacitar nossas crianças para a vida. Que nada, dá muito trabalho. Muito melhor continuar a salientar a incrível importância de aprender a ordem de preenchimento dos sub-níveis “s”, “p”, “d” e “f” por elétrons segundo o diagrama de configuração eletrônica de Linus Pauling do que a calcular a taxa real de juros daquele armário baratinho anunciado em cinquenta prestações de apenas R$ 29,90. Muito melhor destilar aquele blá-blá-blá asqueroso sobre a opressão burguesa às classes trabalhadoras, os interesses do patriarcado na dominação das mulheres, o racismo contido em expressões como “a coisa está preta” e outras asneiras pseudo-libertárias do que ensinar o Código do Consumidor, a legislação para a abertura de uma empresa e o modo de utilizar adequadamente o PROCON e os JECs. O povo O povo vai se emocionar por um tempo, até saturar da super-exposição da tragédia na grande mídia, e depois vai esquecer do episódio e continuar a cobrar dos outros que façam alguma coisa sempre que aconteça algo chocante. É bem possível que surja uma “associação das vítimas da boate Kiss” para lutar por indenizações, mas eu jogo meu pescoço como não vai surgir uma “associação dos cidadãos que não querem ser vítimas de negligência empresarial ou governamental” para lutar pelo cumprimento de regras de segurança razoáveis nos estabelecimentos de entretenimento público e pela realização efetiva de fiscalização da aplicação destas normas pelos poderes públicos. Conclusão A verdade é que ninguém se importa com porcaria nenhuma que exija um passo para fora de sua zona de conforto até que seja atingido pessoalmente. Por isso o Brasil vai continuar na sua jornada de alienação universal, roubalheira generalizada e desastres esparsos sem grandes esperanças de mudança para melhor.
Posted on: Tue, 27 Aug 2013 01:31:34 +0000

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