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Canudos - messianismo e reforma política Marco Maciel Ao examinar a comemoração das grandes efemérides brasileiras, é possível notar-se as circunstâncias dramáticas em que celebramos o centenário de nossa Independência em 1922. Vivíamos uma quadra extremamente difícil do governo Epitácio Pessoa e a própria Exposição Internacional daquele ano se consumou em pleno estado de sítio. Nem por isso a consciência crítica do país deixou de se exercitar com resultados, que hoje sabemos, representaram um marco decisivo na modernização institucional e na revolução intelectual que, segundo Gilberto Amado, representou o renascer do Brasil dentro de nós. Para que comemorássemos, também na forma de uma grande reflexão, o centenário republicano de 1989, foi necessário grande empenho cívico de muitos brasileiros. De minha parte, inclusive, fui autor de requerimento no Senado Federal, em 1983, que ensejou uma comissão incumbida de preparar os festejos. Lamentavelmente, o ano de 1989 não foi dos mais tranqüilos em nossa conjuntura política e o 15 de novembro terminou coincidindo com o primeiro turno das eleições diretas para Presidente da República, o que seguramente contribuiu para que as comemorações oficiais não tivessem a participação desejada. Perdemos, assim, uma grande oportunidade para avaliarmos os cem primeiros anos de nossa República. Por isso, faço votos que as comemorações dos 500 anos do nosso descobrimento, que serão celebrados no emblemático ano 2000, não padeçam das mesmas circunstâncias de 1989 e que possamos, como em 1922, realizar um grande debate nacional. Há esperança de que assim seja, porque sociedade e governo estão-se mobilizando nesse sentido. Na realidade, com iniciativas como esta, o país está reconquistando seu espírito crítico não só do nosso passado, mas também, como escreveu Tavares Bastos, das esperanças do futuro. É verdade, como afirmou Monteiro Lobato, que uma nação se faz com homens e livros, mas é verdade também que a capacidade crítica e de análise faz parte desse patrimônio da humanidade que é a consciência histórica de cada geração. O homem não é só o homem, mas como dizia Gasset, é também sua circunstância. E quando mudam as circunstâncias, também mudamos com elas. Depois dessas breves referências às circunstâncias da comemoração dos centenários da Independência e da República, é preciso assinalar o paralelismo que há, em nosso processo histórico, com relação aos cortes decisivos de nossa evolução política. A Independência, sem dúvida a cesura mais importante de nossa vida como nação, foi seguida de um período de profundas perturbações, que terminaram traçando o inexorável destino do Primeiro Reinado e o divórcio definitivo entre a opinião pública, as lideranças nacionais e o Imperador. A razão disso foi a dissolução da primeira constituinte, a Assembléia Geral Legislativa e Constituinte do Império do Brasil, como então se chamava. Não vou usar critérios de valor, até porque História não é a minha especialidade, mas, como político, parece-me que a circunstância de se terem concedido poderes constituintes e de legislatura ordinária à primeira assembléia política talvez tenha sido o único, senão o mais conseqüente erro dos que fizeram a Independência e sonharam em transformar a Monarquia em um regime constitucional. Essa avaliação decorre de duas circunstâncias: a primeira é que esse equívoco provocou outros enganos fatídicos em nossa história constitucional. Nenhuma das constituintes subseqüentes foi uma constituinte exclusiva. Todas, sem exceção, transformaram-se, com o concluir da tarefa de elaboração constitucional, em legislaturas ordinárias. A segunda é a constatação de que os dissídios entre os poderes do Estado se agravaram a partir da queda do Gabinete José Bonifácio e do tratamento político dado pela Assembléia aos fatos políticos que, a rigor, nada tinham a ver com o processo de elaboração constitucional. Na medida em que a Assembléia tomou providências que eram da competência legislativa ordinária, estava estabelecido o conflito. O intervalo de nove anos, entre a Independência e o 7 de abril, não foi mais do que uma pausa para que se armassem os dois lados para o confronto final. O que se passou com a proclamação da República? Exatamente um processo similar e paralelo. O erro foi o mesmo. O Congresso Constituinte não teve poderes de legislatura ordinária, é verdade, mas foi em seu seio, por via indireta, eleito o primeiro Presidente, o Marechal Deodoro, para o primeiro período constitucional, e demonstrou o poder da oposição, escolhendo seu representante Floriano, Vice-Presidente, que terminou impossível a convivência do Marechal com o Congresso de maioria oposicionista. Os dias 11 e 21 de novembro de 1891 foram resultados inevitáveis desse conflito que se armou como se fosse entre poderes do Estado. A polêmica tese do professor José Honório Rodrigues de que o 7 de setembro foi a contra-revolução, e o 7 de abril, a revolução da independência, poderia, se não fosse o seu caráter contestatório, ser igualmente aplicada ao movimento republicano, admitindo-se que o 15 de novembro de 1889 foi a contra-revolução republicana e o 15 de novembro de 1898 foi a revolução que efetivamente instaurou a República. Certamente o leitor estará se perguntando qual a relação existente entre o episódio de Canudos e essa espécie de coincidência numerológica ou cronológica entre a Independência e a República. Pode parecer sem sentido, mas na minha opinião, o paralelo é indiscutível. O 7 de abril sepultou as esperanças do republicanismo brasileiro do século XIX, tão vivo e tão eloqüente em Pernambuco. A solução constitucional para a continuidade do regime monárquico foi decisiva para a consolidação da forma do Estado consagrada com o 7 de setembro. A insurreição de Canudos e a sua derrota definitiva, em 1897, sepultaram as esperanças de restauração monárquica no país. Desde o momento em que se consolidou, no governo de Campos Sales, sem qualquer outra contestação relevante, o sistema republicano, surgiu efetivamente a República Velha e o fim do que Edgar Carone chamou de Primeira República. Não examino aqui o homem, até porque não é o Antônio Conselheiro que está em questão, mas o movimento que ele desencadeou. Atenho-me, por isso, apenas às circunstâncias. O messianismo do sertão brasileiro, que criou as condições para o surgimento dos beatos e dos conselheiros, está presente em toda a nossa vida republicana, em diferentes versões. Pela data de sua morte, que coincide, em 1930, com o fim da República Velha, o padre Cícero é outro marco cronológico importante. Não creio que se possa atribuir intuitos monarquistas ao movimento de Canudos. Pelo menos essa não parece ter sido a motivação nem a circunstância do surgimento do messianismo, comum à Monarquia e à República. Mas é inquestionável na República e provável na Monarquia que tanto a atuação do Padre Cícero quanto a de Antônio Conselheiro terminaram adquirindo forte e incontestável motivação política. No caso do Padre Cícero, todos sabem de seu envolvimento político, de que Floro Bartolomeu é figura central, ainda que de influência tão pouco estudada em nossa historiografia. A mesma motivação se aplica ao caso do Conselheiro, na medida em que terminou representando o movimento de contestação do poder republicano mais ostensivo e evidente, já que as insurreições políticas urbanas não adquiriram ou não assumiram conotações monárquicas, a não ser em breves e fugazes momentos sem relevância histórica. Com a morte do Conselheiro, viveu a República. Morto o Padre Cícero, morreu também a República Velha. O fim de cada um representa o início de nova fase decisiva para o processo político brasileiro. Como político, não posso deixar de valorizar todas as circunstâncias de que resultaram o messianismo religioso. Da mesma forma, sou obrigado a reconhecer a íntima associação que existiu entre messianismo religioso e reforma de nossas instituições políticas, como o início da República e o fim da República Velha. A associação não impressiona, pelo contrário, ajuda a compreender o fenômeno político e suas circunstâncias. Não hesitaria em dizer que, sem superar o episódio de Canudos, a República não se teria consolidado da forma segura como veio a fazê-lo. Sei que essa é apenas uma das vertentes de análise do movimento de Antônio Conselheiro, e que ele deve ser analisado com todas as suas implicações, que interessam ao processo de avaliação histórica. Quando examinamos, por exemplo, o papel do Exército, não podemos perder de vista o que estava em jogo naquele momento. Sabe-se que o Estado-Maior do Exército foi fundado em 1896. O que não se sabe, a despeito da proximidade de datas, apenas um ano de diferença, é se existe documentação histórica das Forças Armadas relativa à avaliação política do movimento de Canudos. Se ela existir, creio ser um elemento de análise indispensável para sabermos em que medida os militares, que fizeram a República e que a sustentaram, viram em Canudos uma ameaça às novas instituições. Estou certo de que ainda teremos uma visão mais abrangente do que significou essa mobilização popular que, tendo início como um simples episódio de messianismo religioso, transformou-se num épico histórico. As dimensões políticas de Canudos seguramente ainda serão mais profundamente analisadas, sobretudo neste momento de significativas transformações políticas, econômicas, sociais e culturais por que passa o Brasil. Marco Maciel é Vice-Presidente da República.
Posted on: Tue, 15 Oct 2013 19:41:20 +0000

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