Crise escancarada e sistêmica por Emerson Gonçalves |categoria - TopicsExpress



          

Crise escancarada e sistêmica por Emerson Gonçalves |categoria Gestão, São Paulo Em casa que falta o pão, todo mundo grita e ninguém tem razão. Assim diz o ditado popular. Para falar do momento do São Paulo FC, podemos mudá-lo um pouco: Em clube que faltam vitórias, todo mundo grita e ninguém tem razão. Grita o presidente, grita o diretor, grita o goleiro. Gritam até mesmo as esposas de alguns atletas, essas pelas redes sociais (direito legítimo, diga-se, tanto quanto o de qualquer manifestante dessa primavera brasileira de outono/inverno). O ex-treinador, recém-demitido, deu também seus gritos, mas não foi compreendido e o resultado foi o oposto do que ele esperava. O torcedor também grita e chora, enquanto os bandos organizados gritam palavras de ordem encomendadas e intimidam os verdadeiros torcedores, que dirigem suas vaias ao presidente do clube, protegido pelos bandos organizados. Esse é o cenário do clube tido como modelo e mais bem organizado do país até poucos anos atrás. Desde o ano de 2009, este OCE acompanha as mudanças por que vem passando o São Paulo, sinalizando claramente uma grande sucessão de polêmicas e decisões tão intempestivas quanto equivocadas de sua direção. Essa sucessão de eventos e a evolução da situação levam-me a dizer que essa crise não é conjuntural e, portanto, passageira. Não, muito pelo contrário, ela é sistêmica e inerente a um regime de poder concentrado e decisões solitárias. O atual presidente não criou esse regime, mas por força de sua personalidade e característica incorporou-o como nenhum outro, para o bem e para o mal. Como mostra a realidade, muito mais para o mal, no sentido, é claro, de má gestão. O São Paulo tem vivido um processo artificial de concentração política no decorrer desse século. Num primeiro momento, sob a gestão de Marcelo Portugal Gouvêa, um dirigente aberto a críticas, sugestões e à participação, essa concentração política passou meio despercebida e com poucos problemas. A partir da passagem do poder para o atual mandatário a concentração aumentou na política e na direção executiva. A maior parte da oposição foi cooptada, virou situação e a tudo se passou a dizer, simplesmente, amém. Todo organismo social precisa de oposição para poder evoluir. Sem ela, é grande o risco da estagnação e organismo que estagna, declina. Os problemas começaram a surgir rapidamente, agravados pela prática absolutista e fechada. A cereja do bolo nesse processo foi a questão da Copa rdo Mundo e do Estádio do Morumbi ser o palco dos jogos da Copa na cidade de São Paulo. Amparado por excepcional desempenho em campo e a escolha do Morumbi para a abertura da Copa do Mundo, o presidente tricolor esbanjou na soberba, na ironia e na deselegância no trato com os rivais, fossem eles de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia… A consequência óbvia foi o isolamento político do clube. O São Paulo FC, personificado em seu presidente, parou de fazer política. Se mesmo em regimes fechados há necessidade permanente de composições políticas, em regimes abertos ou semiabertos essa necessidade é ainda maior, é vital. Isso vale tanto para nações como para clubes de futebol, interna e externamente. Na vida real, essa erosão institucional teve reflexos imediatos, a começar pela perda do que nunca foi garantido: ter o estádio da cidade na Copa, fazendo o jogo de abertura da competição. Dizem que há boas e más lutas e eu concordo. Há lutas que devem ser lutadas, sem a menor dúvida, mas há, também, as lutas que devem ser evitadas. O sentimento de soberba que se alastrou pela direção e pela torcida impediu essa visão fundamental. Falando do time de futebol, que é a razão de ser da existência do clube, o processo de degradação que já havia começado no final da temporada de 2007, acelerou-se em 2009, com a demissão, ainda antes da metade da temporada, do treinador que conduziu o time ao inédito e ainda único tricampeonato brasileiro. Desde então, e contando com ele, nada menos que oito treinadores sucederam-se aceleradamente no comando do time. Meio ano, um semestre para cada um, em média. É impossível qualquer treinador conseguir um trabalho bom e sustentável em tão pouco tempo. Agravando o quadro ainda mais, o presidente desandou a contratar jogadores, no início e no meio das temporadas. Para tanto, os treinadores nunca, ou muito raramente, eram ouvidos e menos ainda atendidos, prática, aliás, que já vinha ocorrendo desde sua nomeação como diretor de futebol. O custo dessa política sem planejamento foi estampado no balanço de 2012, com a dívida financeira – junto a bancos – crescendo assustadoramente e chegando a 156,1 milhões de reais, num crescimento de 52% de um ano para o outro. Pior ainda: somente em 2012 foram gastos em Despesas Financeiras, nome bonito para juros (principalmente), nada menos que 23,9 milhões de reais. Esse valor corresponde a 8,5% da receita total do clube no ano em questão. Esse foi, também, o valor pago ao Santos pela transferência de Paulo Henrique Ganso – 24 milhões de reais. Ou melhor, não foi: o caixa do clube não permitiu tamanho investimento e o valor foi bancado em cerca de um terço pela empresa DIS, ficando o São Paulo com dois terços do total. A contrapartida foi deter uma participação de apenas 32% nos direitos econômicos do atleta. Apesar de tudo isso, o São Paulo é dono de receita portentosa. De 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012 o clube teve uma receita total de 875,1 milhões de reais, ficando atrás somente do Corinthians, que no mesmo período teve 1.042,6 milhões de receitas. Nesses quatro anos, o São Paulo conquistou apenas um título de importância secundária – a Copa Sul Americana de 2012 – e o Corinthians conquistou dois estaduais e a Copa do Brasil, e mais um Brasileiro, a Copa Libertadores e o Mundial de Clubes, esses os títulos importantes, os que realmente contam. Dinheiro por si só não ganha jogo ou campeonato, mas serve como parâmetro, pois é ele que permite a montagem de bons elencos e, daí, a formação de bons times e times campeões. Pela receita auferida, o desempenho esportivo do São Paulo deveria ter sido melhor do que foi, no mínimo disputando a principal copa continental todo ano, o que deixou de ocorrer em dois desses quatro anos considerados. A comparação dos dois rivais deixa patente uma grande diferença de gestão. A exemplo de Muricy Ramalho, o treinador Ney Franco foi demitido depois de trabalho mais do que razoável. Assumindo o time na metade da temporada passada, conseguiu levá-lo à conquista citada da Sul Americana, terminando o Brasileiro com a melhor campanha do returno, tendo, inclusive, a melhor defesa do período. O que deu errado? Falhou Ney? Ou terá falhado o São Paulo, especificamente a sua direção? A resposta precisa levar em conta o que já foi dito: no São Paulo é o presidente que decide quem contratar ou não, acompanhado nessas decisões por um assessor, o também treinador interino Milton Cruz. A persistir a crise ele já terá mais tempo de interinidade que muito treinador experiente. O que o treinador pede ou deixa de pedir não é considerado ou, quando isso ocorre, raramente acontece do pedido conseguir ser atendido, como aconteceu com Vargas. Para a presente temporada Ney Franco pediu a contratação do chileno Vargas, para cobrir a ausência de Lucas, sem alterar a formação tática da equipe. Não foi atendido e o jogador assinou com o Grêmio. Havia necessidade de um ou dois zagueiros para completar o grupo e disputar posição, mas a direção trouxe Lúcio, jogador dependente de vigor físico e que estava muito mal na Europa. Tanto que foi sem custo para a Juventus, onde depois de dois jogos foi afastado, simplesmente, e de lá veio para o São Paulo, sem custo de transferência, mas com alto salário. Sua chegada quebrou a melhor defesa do returno, pois forçou a ida de Toloi para a reserva. Quando voltou foi para jogar fora de sua melhor posição. Ganso, a transação mais cara do futebol brasileiro, também desequilibrou um meio-campo que funcionou muito bem no ano anterior. A espinha dorsal da equipe foi quebrada pelas ações do presidente. Em diferentes momentos nesse período a direção do clube se comportou de forma destrambelhada em relação aos jogadores, como no episódio em que Paulo Miranda foi retirado da concentração por “deficiência técnica” ou o anúncio de corte ou afastamento de sete atletas nesse ano, considerados culpados pela má performance do primeiro semestre. Dentre os sete, dois atletas recém-saídos da decantada base do clube, o que serviu para realçar o absurdo da medida. Uma entidade que trabalha com valores elevadíssimos e que mexe com os sonhos, a paixão e as contribuições de muitos milhões de pessoas precisa ter uma gestão profissional ao extremo, mas não somente isso. Ela precisa da inteligência proporcionada por quem pensa diferente, seja para mudar, seja até mesmo para refletir sobre o que se faz. Precisa da renovação permanente de pessoas e ideias. Precisa de transparência e democracia. Não é coincidência que as nações mais desenvolvidas do mundo sejam democráticas. Tampouco é coincidência que os maiores e melhores clubes do mundo tenham regimes democráticos, como Barcelona, Bayern e Real Madrid. Outros, como Manchester United, por exemplo, são profissionais ao extremo, mesmo tendo proprietários. O São Paulo já teve tudo isso e evoluiu. Agora perdeu e, como disse há dias seu goleiro titular, embora se referindo a um momento particular, o clube parou no tempo. E a natureza é implacável com quem para no tempo. O torcedor são-paulino não pode se iludir. Essa crise nada tem de passageira e não será resolvida com a troca de mais um treinador ou com o afastamento de mais sete ou dezessete jogadores. A rigor, nem mesmo a simples troca de comando no clube resolverá essa questão de forma sustentável. Para tanto, o clube precisa de uma mudança mais profunda, que dê lugar à oposição, que permita a renovação de seus quadros. O Conselho Deliberativo do clube, seu órgão máximo, é composto por 240 conselheiros. Desses, 160 são vitalícios, escolhidos a dedo pelos presidentes. A média de idade desses senhores é alta: nada menos que 121 deles têm mais de 65 anos de idade. Nada contra a idade, mesmo porque não demora muito e eu mesmo estarei nessa faixa, mas um organismo social precisa das ideias novas e do ardor de mentes jovens, ao lado da experiência e do conhecimento de quem muito já viveu e por muito passou. Tal como está e foi pensado e montado, o Conselho mantém o São Paulo engessado. Sem lugar para o novo, para o diferente. Um clube parado no tempo em crise permanente, ora mais visível, ora menos. Enquanto isso, seus rivais no estado e no país, evoluem.
Posted on: Mon, 22 Jul 2013 00:04:31 +0000

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