Entrevista Sebastião Salgado por Vitor Lopes "A nossa - TopicsExpress



          

Entrevista Sebastião Salgado por Vitor Lopes "A nossa urbanização é uma expulsão" Após semanas de imersão na densa Floresta Amazônica para um trabalho que busca mapear as partes puras do planeta, um dos maiores fotojornalistas do mundo está relaxado. No momento, a única aparente preocupação de Sebastião Salgado é verificar como serão expostos os quadros que o filho Rodrigo pintou e que ele pretende apresentar aos amigos durante o tempo de rápidas férias na sua casa de frente para o mar, em Vitória. Quando percebe que uma das molduras está com problema, chama a esposa e braço direito dos seus projetos, Lélia Wanick. "Deve ter sido durante a viagem de Paris para cá. Mas a gente resolve", diz Lélia. Nas quase três horas de conversa com A GAZETA, dias antes de receber o prêmio D. Luís Gonzaga Fernandes do governo do Estado, em cerimônia no Palácio Anchieta, na última quinta, pelos trabalhos de cunho humano e ambiental que realiza, Salgado detalhou suas aventuras pelo globo, comentou sobre política ecológica e causou surpresa ao afirmar que fotografia digital é melhor que analógica. "Faz um ano que eu fotografo com câmera digital", revelou. Você esteve na Amazônia semana passada. No que estava trabalhando? No "Genesis", um projeto em que já estou há cinco anos procurando as partes mais puras do planeta. Estive lá no mês de março, quando passei 40 dias com uma tribo de índios, ao norte do Rio Amazonas, chamada Zo?é. Tenho viajado o mundo inteiro buscando essas partes mais puras para o projeto em que fotografo a paisagem e, pela primeira vez, os outros animais. Porque até então eu só fotografei o animal humano. Estou fotografando os seres humanos que nós fomos até alguns milhares de anos atrás. Quando você passou com "Genesis" por Vitória, em 2006, muitos acreditaram que já era o final do projeto. Não. Ali foi o começo. Aqui em Vitória não tinha ainda nenhuma foto de ser humano. Eu tinha feito Galápagos, o Virunga, que é um parque nacional entre o Congo, Uganda e Ruanda, a Península Valdes, na Argentina... Hoje estou com 22 histórias feitas. Estou muito próximo do fim. O que essas pessoas que vivem em estado puro têm a mostrar para nós? O que você pretende mostrar? O "Genesis" nasceu em Aimorés (MG), com a Lélia, minha esposa. Criamos o Instituto Terra quando passamos a ter um contato muito forte com a natureza. Então, é praticamente como meu último projeto como fotógrafo. Estou com 65 anos. Concebi esse trabalho como uma homenagem ao planeta. Decidimos identificar as partes puras do planeta, no sentido de ajudar a preservá-las. Você já tinha feito algum trabalho nesse sentido? É a primeira vez. O que é interessante nessa questão dos grupos é que, na realidade, descobrimos muito pouca coisa nesses milênios. Os Zo?és têm uma ideia perfeita da degradação do ambiente deles. Eles exploram um pedaço de terra um período e abandonam, porque ela tem uma queda de produtividade. Quando voltam àquele ponto, já se passaram 100 anos. Eles conhecem perfeitamente o antibiótico. Se eles têm uma ferida, sabem como tratar. Eles têm remédio para tudo. Quando você vai trabalhar em um grupo desses descobre que o que é essencial para eles é essencial para você. Eles têm consciência de que o resto do mundo estaria destruindo a natureza? Não. Depende do grupo. Para os Zo?és, o planeta é constituído de 275 zo?és e alguns brancos que aparecem por lá. A Lélia estava tentando explicar para os índios o que é um avião, que é muito grande. Ela disse: "O avião é mais ou menos desse comprimento e dentro você pode colocar 300 pessoas". E eles perguntaram: "Como trezentas pessoas? Nós só somos 275". Pois é, mas tem muito mais gente na cidades. Para eles, chegar nesse conceito de 300 pessoas é muito difícil. Como é para você, um homem urbano, viver esse conflito de tempo, identidade e sociedade? É muito interessante. Eu tenho uma oportunidade de frequentar cortes representativos de sociedades que estão em várias idades. Eu estava trabalhando com um grupo em Sumatra, e também os bushmen, no Botswana, que é um grupo de caçadores e coletores que vivem exatamente como viviam há cinco mil anos. É uma viagem no tempo... Uma viagem maravilhosa. É quase uma fotografia antropológica. Posso dizer que tem horas que faço uma viagem no tempo, no Velho Testamento. Você vai vendo as diferenças no que diz respeito aos humanos, aos outros animais. Comecei o "Genesis" na Ilhas Galápagos porque li um pouco a "Teoria da Evolução das Espécies", do Charles Darwin. Fui para lá para tentar compreender o que ele compreendeu. Eu ia de barco de ilha em ilha. As tartarugas galápagos evoluíram de maneira diferente de uma ilha para outra. Para mim está sendo uma escola fabulosa. Quando você chega a uma comunidade, qual é o tempo que você tem de contato para começar a fotografar? Isso não tem regra. Pode ser imediato, pode ter um tempo de discussão e de explicação. Isso para os humanos. Para os outros animais, às vezes você precisa de tempo. Lembro uma tartaruga gigante em Galápagos, na Ilha Isabela. Eu tive que aprender a fotografá-la. Posso tirar uma foto e ir embora. Mas, para eu fazer uma foto direitinho, para eu poder fotografar esse animal de perto, tenho que ter uma aproximação. Ele tem que me autorizar a entrar no território dele. Tive de encontrar uma forma para poder fotografar as tartarugas, e a única forma foi me colando de joelhos, na altura dela. Ela veio se aproximando de mim e eu comecei a andar devagarinho para trás. Ela compreendeu que eu estava respeitando o território dela. A partir daí ela veio direto, se aproximou, começou a me olhar. Eu respeitei a distância, a dignidade e pude trabalhar sem problemas. Quando isso acontece, você começa a ver que contaram uma mentira imensa, que nós somos o único animal racional. Todos são racionais dentro da racionalidade deles. E você descobre que está num planeta integrado, autodependente. E nós, como animal que dominou, não vemos, não respeitamos. Nós destruímos o habitat, dominamos, executamos. A nossa urbanização é uma expulsão. Você acha que conseguiríamos mudar isso com políticas públicas? Isso é utópico? De forma alguma. Quando começamos nosso projeto ambiental na região do Vale do Rio Doce, ninguém acreditava. Os fazendeiros sentavam no banco para rir da gente, para gozar. O Brasil vai mudando. A nova geração vai obrigando a mudar. Por que não é fácil mudar? Porque ecologia nunca foi política e nunca foi considerada dentro do orçamento de nada, de ninguém. A mata, até então, era considerada lugar a evitar. A mata foi um lugar do qual as pessoas aprenderam a ter medo. Até pouquíssimos anos, desenvolvimento e progresso era destruir a floresta. Você disse que algumas etapas do "Genesis" vão para a internet. Como você lida com esse ambiente? É complicado para mim. Te juro. Voltando desde a base... Faz um ano que eu fotografo com câmera digital... Até então era com negativo. Agora, minha imagem passa a ser um conceito, que está ali dentro transformado em ondas magnéticas. Eu tenho um telefone novo com internet. Eu fui mexendo, fui no Google, coloquei meu nome e cliquei em imagens. Minhas fotos entraram dentro do meu telefone. Pronto! Eu não sei fazer outra vez, mas fui brincando até chegar lá. Isso é fascinante, mas é muito difícil para uma pessoa que trabalhou sempre com um produto resultado da química, que é o filme, passar a usar um produto resultado da física. O que fez você passar a usar tecnologia digital? O mundo depois do 11 de Setembro virou um drama para os fotógrafos. Nós usávamos filmes e tínhamos os raios-x nos aeroportos. Eu vinha de Sumatra no ano passado, no mês de abril. Passamos por sete controles de aeroportos com 600 rolos de filme. Tive problemas em vários deles. Não adiantava mostrar para eles as cartas da Kodak, dos governos... Eu reaprendi a fotografia. A digital me facilitou a vida. Estou usando uma Canon EOS-1Ds Mark III, que é fabulosa. É um susto para muita gente ver você falando que a digital é melhor... É melhor mesmo. Os químicos não existem mais. Tive que fazer os bons químicos até um ano e pouco atrás. Para conseguirmos papel para as cópias de leitura, tínhamos que trazer de Tóquio! Os filmes foram caindo de qualidade. E a qualidade que eu tinha em um 35mm anos atrás eu não tenho mais no médio formato agora. Com a popularização das digitais, mudou a relação da sociedade com a imagem? Nada. Absolutamente nada. O número de fotógrafos não aumentou, não melhorou e não piorou. Você só mudou a base, exclusivamente a base. O problema é de sensibilidade e identificação com a profissão, de saber se é fotógrafo ou não. A câmera digital altera a questão da memória? Acho que não. A fotografia, na realidade, é a memória da sociedade. São cortes representativos, são momentos que você faz da sociedade. É a verdadeira linguagem universal. A maneira de escrever cada um tem a sua, com uma vantagem para a fotografia. Ela não precisa de tradução. É realmente uma linguagem fabulosa.
Posted on: Thu, 29 Aug 2013 14:43:29 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015