"Nos últimos dias, até mesmo por exercício da profissão, te- nho acompanhado atenta- mente a cobertura da grande mídia no que diz respeito às manifestações que vêm acontecendo Brasil a fora. Para ser sincero, nunca havia ouvido e lido tanta besteira sobre o mesmo assunto. A Globo insiste em enfatizar o valor das passagens de coletivos urbanos como a causa de tudo. O americano Washington Post fala em revolta da nova classe média. O El País, da Espanha, diz que a volta da inflação desencadeou os protestos. O Le Monde, da França, culpa as obras da Copa do Mundo. No resumo da ópera todos tentam não explicar o que é plausivelmente explicável. A grande verdade é que as manifestações estão acontecendo pura e simplesmente porque o povo brasileiro encheu o saco. Sim, encheu o saco por conta dos aumentos constantes de passagens, por conta dos custos da Copa, da corrupção e tudo mais. Mas, mais que isto, os brasileiros estão de saco cheio pelo conjunto de situações impostas ao país, não ao longo dos anos, nem das décadas, mas ao longo dos séculos. Ninguém aguenta mais ver a cara das velhas raposas no comando de nosso Congresso Nacional. Ninguém aguenta mais menores pintando, bordando e matando, e depois indo para casa como se voltassem do parque de diversões. Ninguém aguenta mais nosso sistema hospitalar falido, nossas estradas esburacadas, nossa má qualidade de ensino, nosso desperdício de dinheiro público, nossas obras inacabadas, nossa pieguice governamental, nosso sistema carcerário como escola do crime e tudo o mais que se possa imaginar que sugira desmando nesse país. Como está escrito na foto acima: "Tem tanta coisa errada que nem cabe em um cartaz".Tentar explicar de forma pontual as manifestações é algo totalmente incoerente, até porque não há um ponto específico de insatisfação, e sim um acúmulo de estresse causado por tantos desmandos. Desmandos representados por conchavos, acertos de caserna e tanto toma lá da cá que até que enfim a pressão fez estourar a panela. Esta semana, por exemplo, o Senado Federal aprovou projeto de lei que dá apenas aos médicos o direito de prescrever remédios e tratamentos. Na prática, um fisioterapeuta, por exemplo, não poderá mais dizer como um paciente tem que tratar uma torção no joelho. Isto só poderá ser feito em conjunto com um médico. Fico imaginando o que um nutricionista ou um psicólogo vai fazer com seu diploma se o projeto for sancionado pela Presidência. Claro que este projeto não se deu ao acaso. É fruto do lobby da cúpula da medicina brasileira junto aos deputados e senadores. E assim se organiza nosso país, através de acordinhos, como se fôssemos uma republiqueta de quinta categoria. Por aqui há acordos para tudo, e não sendo através deles nada funciona. Vivemos no Brasil uma crise explícita de falta de caráter. Sim, porque só gente sem caráter faz algo por alguém esperando retorno lá adiante. E não é assim que funcionam nossas instituições políticas? Áureos tempos o do altruísmo, se é que algum dia ele existiu. Do tempo em que nossas lideranças se entregavam ao bem comum de alma aberta, se é que algum dia de fato se entregaram. Que sirva toda esta situação para uma profunda reflexão também das demais autoridades, ligadas ao judiciário, a polícia, aos sistemas de educação e saúde, como a todos os demais que tenham algum poder de comando ou decisão neste país. Estamos de saco cheio de tanta letargia, de tantos dedos apontados em direção ao outro, como se quem manda nunca fosse culpado por nada. Estamos de saco cheio de tanta falta de amor à pátria, traduzido, literalmente, pela defesa única e exclusiva dos interesses próprios. Que se atentem os comandantes, pois o barco pode virar a qualquer momento." Rolando Christian Coelho - Colunista do grupo correio do sul
Posted on: Sat, 22 Jun 2013 21:07:29 +0000
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