Revolução espanhola Autor: Acácio Augusto publicado em: - TopicsExpress



          

Revolução espanhola Autor: Acácio Augusto publicado em: nu-sol.org, São Paulo: nu-sol, 2008. -------------------------------------------------------------------------------- A Revolução espanhola é um acontecimento impressionante. A despeito de sua curta duração o que os trabalhadores anarquistas realizaram em território espanhol com a coletivização das fábricas e da terra e com uma resistência miliciana que contrariou todas as regras das estratégias militares possui uma força imensurável. Um curto, mas intenso, verão da anarquia. Entretanto, a Guerra Civil também impressiona pelo avanço do fascismo. É em meio ao ataque perpetrado contra os revolucionários espanhóis que o fascismo europeu explicita sua glorificação da morte como o paroxismo de uma prática política calcada na defesa da Vida como valor: algo puro, limpo que deve servir a construção de uma nação com uma população saudável. Penso que a Guerra Civil Espanhola explicita um embate em torno da vida. Onde os anarquistas se debatem para afirmar uma outra maneira de viver, uma maneira que inventa a vida em seu acontecimento imediato; uma vida que não encontra como sua oposição a morte, mas a servidão. E contra eles, uma defesa da vida, própria do Estado Moderno, que busca a Vida regulada, limpa e livre de riscos. Essa perspectiva, princípio de todo Estado, encontrará em Franco sua expressão limite que, em nome da defesa da vida, glorificará a morte. A expressão mais crua e direta desse embate foi retratada por Picasso, com toda tragicidade e a violência do acontecimento. O quadro de Picasso que retrata o bombardeio de Guernica, efetuado pela Legião Condor do exército nazista em 27 de abril de 1937, sob o comando do tenente-coronel Wolfram von Richthofen, chefe do Estado-Maior alemão, atendendo ao pedido do general Franco, é uma síntese dessa morte que glorifica o soberano. É desta perspectiva que quero relembrar alguns momentos de luta da Guerra Civil Espanhola. Não apenas como uma luta no sentido militar, mas uma luta que coloca em choque maneiras de lidar com a vida, do ponto de vista político. O que nos leva a um embate, não entre nações, mas entre práticas políticas que envolvem, no campo de batalha, liberais, socialistas, comunistas, anarquistas e o fascismo. Europa É comum ler a Guerra Civil Espanhola como um “ensaio geral” da II Guerra Mundial, na medida em que as forças que habitavam o território Europeu travam uma luta de vida e morte sobre o território espanhol, antes da deflagração da guerra entre as nações européias. Visão um pouco simplista, didática, que empastela questões menores, como o papel decisivo dos anarquistas e a própria história espanhola, para nos fazer crer que se tratava simplesmente de uma luta entre totalitarismo e democracia. Talvez para turvar a visão diante das evidências do que o Estado Moderno foi capaz de produzir. Nesse sentido, a expressão produzida por Picasso, que retrata a guerra como uma glorificação da morte torna-se ainda mais pujante. Não é demais lembrar que Picasso não assina Guernica, proíbe que ela entre em território espanhol enquanto Franco estivesse vivo e ao ser perguntado pelo embaixador alemão em Paris, Otto Abetz, se ele que teria feito isso, Picasso responde: “Não, foram vocês”. Exatamente por mobilizar ódios e paixões, por colocar em pauta as questões políticas, econômicas, sociais e subjetivas que atravessaram o século XX, pensar a Guerra Civil espanhola, a ação dos anarquistas, as coletividades rurais e fabris, a derrota republicana, o papel dos liberais, o avanço fascista, o bombardeio de Guernica e a ditadura, que durou 40 anos sob o comando de Franco, nos remete a um trabalho de problematização de nós mesmo, de nós diante dos acontecimentos da guerra, da luta e da vida. Descartar as simplificações históricas, não significa ignorar a intervenção internacional. É sabido o papel que ocuparam os governos totalitários da Rússia, Itália e Alemanha, que visavam expandir seus impérios. E não podemos esquecer a hipocrisia de Inglaterra e França, que aceitaram tacitamente o massacre, lançando mão do argumento da neutralidade, com medo da ameaça comunista. No entanto, a Espanha possuía particularidades e contradições que, no momento da derrubada da Monarquia e a constituição do governo republicano, tornaram-se fatores importantes para os rumos da revolução. Na verdade, a posição das grandes nações apenas indica que o Estado, seja burguês ou socialista, ainda preferirá o fascismo à anarquia. Espanha A Espanha possui uma formação tão ou mais dividida que a própria Europa do entre guerras: Andaluzia é um mundo, País Basco é outro, Catalunha outro, Galícia outro, Madri outro. Nesse sentido, o franquismo, como todo projeto fascista, foi um processo de uniformização dessas diferenças, sob o comando de Castela. Em termos políticos e econômicos, a Espanha, do começo do século XX, se dividia em norte, especialmente a Catalunha, industrializado e sul e oeste, dominados pela oligarquia latifundiária, retrógrada, monarquista e católica. A grande maioria do povo espanhol vivia em solo rural, sob o julgo dos latifundiários. Essa dominação dos latifundiários encontrava resistência dos camponeses na forma de um banditismo social que promovia saques, queimava cadastros de imóveis, abolia o dinheiro e explorava a terra em conjunto como comunas livres O anarquismo, dessa maneira, encontrará na Espanha um solo fértil. Ele começa com a chegada do italiano Giuseppe Fanelli, em outubro de 1868, um membro da Aliança bakunista na Associação Internacional dos Trabalhadores. O sucesso das idéias de Bakunin foi quase imediato. Segundo Enzensberger, dois fatores podem explicar esse sucesso: primeiro, uma forte tendência à resistência violenta dos camponeses, que já na virada do século XIX para o século XX nas aldeias andaluzas, se manifestava como um anarquismo quase instintivo. E na região mais industrializada, a Catalunha, um movimento operário que não se seduziu com o discurso da social democracia, nem com o sindicalismo reformista. Um segundo fator, deve-se ao forte regionalismo catalão e de outras regiões da Espanha que funcionou como força centrífuga contra a centralização do Estado em Madri. A partir de 1910, essas forças encontram um ponto de convergência na CNT (Confederación Nacional del Trabajo). Uma central sindical declaradamente revolucionária, avessa à centralização e aos dirigentes burocratas. Seus princípios eram a autogestão e a ação direta, não negociava com patrões e não cumpria acordos trabalhistas. Sua articulação política era federada e feita diretamente pelos trabalhadores; mesmo com mais de um milhão de membros a CNT, durante sua história, manteve apenas um funcionário remunerado. Suas armas eram a greve, a guerrilha, a sabotagem, a expropriação e a revolta armada. Essas atividades ilegais eram realizadas por grupos clandestinos, como Os Solidários, de Durruti, os irmãos Ascaso, Garcia Oliver e Jover. Faziam a defesa dos trabalhadores perseguidos, praticavam atos terroristas de propaganda pela ação, libertavam prisioneiros, organizavam saques a bancos para recolher fundos para o movimento e faziam o trabalho de espionagem. Logo, a fundação da FAI (Federação Anarquista Ibérica) agrega esses militantes mais ativos e forma uma espécie de minoria ativa dentro da CNT. O que para historiadores marxistas e liberais era expressão de um banditismo messiânico, para os anarquistas era a única maneira de resistir ao ataque violento do exército de Afonso XIII. Já em 1917, uma greve geral havia sido reprimida com sangue, a sociedade espanhola estava altamente militarizada, com leis marciais que tinham como alvo os trabalhadores da CNT. Com a derrota na guerra colonial no Marrocos, a saída foi a ditadura de Primo de Rivera em 1923. Seu projeto de modernização e estatização dos sindicatos, à maneira de Mussolini, foi por água abaixo com a crise econômica de 1929, em 1931 a Monarquia chega ao fim na Espanha. No entanto, a República de 1931 ficou na mão de uma burguesia fraca, incapaz de atender aos anseios, explicitamente revolucionário, do povo espanhol. As greves, as revoltas camponesas e as sabotagens continuaram e o governo de Gil Robles intensificou a repressão. O massacre de uma revolta nas Astúrias, em 1934, fez com que o exército ganhasse confiança e o governo ignorando as forças de esquerda, convocasse novas eleições em busca de legitimidade. O tiro saiu pela culatra. A social-democracia, os partidos de centro e os comunistas organizaram uma frente popular e venceram as eleições. Os anarquistas, maior força política na Espanha, não participaram das eleições. Mas, receosos do avanço das forças de direita que já buscavam em Hitler e Mussolini seu modelo, abandonou tacitamente o discurso de boicote às eleições, decidindo assim os rumos das eleições a favor da Frente Popular. Essa não foi uma escolha do mal menor por parte dos anarquistas. A revolução, para eles, já havia começado há algum tempo, pois ela era social e não política. A vitória da Frente Popular apenas significaria um pouco mais de espaço para continuar o trabalho de coletivização das fábricas e das terras. Tanto foi assim, que com a vitória da Frente Popular, os latifundiários e donos de fábricas abandonaram suas propriedades com medo da fúria operária e essas fábricas e terras foram imediatamente coletivizadas e autogeridas pelos próprios trabalhadores; chegando a ter em regiões da Catalunha e Aragão a abolição do dinheiro e a melhora imediata das condições de vida das pessoas do lugar. Isso era a revolução para os anarquistas, a guerra era outra história. A Guerra Civil Quem desencadeia a guerra é a direita. Do Marrocos espanhol vem uma revolta militar comandada pelo general Francisco Franco em 17 de julho de 1936, que logo se alastra pelo continente. Em pouco tampo A Falange domina militarmente um terço do país. Imediatamente a CNT-FAI, esperando a reação da direita, forma um Comitê de Defesa da Catalunha, armando os trabalhadores para combater as tropas de Franco. Contra a vontade do próprio governo da Frente Popular, pois, segundo Santillián: “Os políticos temiam o fascismo, mas temiam ainda mais o povo armado”. Esse comitê impediu o avanço das tropas franquistas e obrigou o governo da Generalitat da Catalunha a negociar com os anarquistas. As negociações foram tensas. Na medida em que o governo da liberal Esquerra catalã, nunca guardou nenhuma simpatia pela CNT-FAI. Pelo contrário, era comum seus intelectuais associarem o anarquismo ao fascismo, como duas faces da mesma moeda. Muitos veicularam artigos com o maldoso trocadilho: FAI-smo = FAI-cismo. Os anarquistas se viram forçados a negociar hoje, com seus perseguidores de ontem. Mas o que interessava era defesa da revolução em curso contra o avanço fascista. O resultado da reunião entre o governador da Catalunha, os diversos partidos catalães e os anarquistas foi a formação de uma instância que substituiria o governo da Catalunha: o Comitê das Milícias Antifascistas. A coluna Durruti Imediatamente formou-se a Coluna Durruti, que combateria na frente de Aragon o avanço das tropas de Franco por Zaragoza. O Objetivo imediato foi tomar Zaragoza e conter o avanço de Franco. Mas a coluna não era um exército e Durruti na era um general. O sucesso da chamada coluna indisciplinada estava na coragem de Durruti e no prestígio que ele gozava junto às classes trabalhadoras. Não havia estratégia, não havia hierarquia militar, nem planos. O que movia a Coluna era uma coragem guerreira e uma certeza quase ingênua na vitória por estar combatendo pela causa mais justa. Mas a guerra aos poucos foi devorando a revolução. De um lado, os fascistas com um exército treinado para guerra e um financiamento bélico feito por Alemanha e Itália, ganhavam posições. De outro, a Coluna passava a ser boicotada pelo próprio governo catalão que não atendia aos pedidos de munições e armamento feitos por Durruti. Como se previa, os liberais, mesmo forçados a negociar com os anarquistas, temiam a enorme força política eles tinham junto aos trabalhadores espanhóis. Convocaram Durruti para combater os fascistas, mas não queriam, como ele, ver o governo abaixo. Durruti viu-se obrigado a fazer concessões. Orgulhava-se de sua coluna que funcionava de maneira autogestionária e não hierárquica, mas as exigências da guerra e do boicote interno começam a deixá-lo dividido entre vencer a guerra e esmagar o fascismo e continuar coerente com suas ideais. Em uma frase ele sintetiza a situação: “A guerra é uma sacanagem. Ela não destrói apenas as casas, mas também os princípios”. O desfecho Nesse sentido, a cisão interna foi decisiva para as pretensões dos anarquistas. A maneira como o governo catalão e a capital Madri tratou a Coluna Durruti mostra a tentativa de conciliação entre forças políticas inconciliáveis. Se num primeiro momento interessava tanto aos republicanos quanto aos anarquistas combater o fascismo, com o desenrolar da guerra ficou claro que: “O confronto armado só significava uma guerra de defesa para os verdadeiros ‘republicanos’, ou seja, os partidos burgueses de centro e seus coligados, os social-democratas. Contra as pretensões fascistas, republicanos e social-democratas queriam manter o status quo anterior, o poder de Estado em suas mãos” (p. 226). Enquanto que para os anarquistas, a luta contra os fascistas significava o avanço de uma revolução social capaz de por fim à toda forma de dominação estatal e a realização do comunismo libertário na Espanha. Estamos ainda em setembro e outubro de 1936. A situação, no interior da guerra civil se agrava. Essa tensão entre republicanos e anarquistas não parece se sustentar por muito tempo, ela logo estourará. Durruti, na ânsia de defender a revolução vai para Madri, onde é morto em condições até hoje não esclarecidas. A colaboração estrangeira se intensifica, mas não só da Alemanha com Franco. Moscou quer varrer os anarquistas da Espanha e se alia ao governo de Madri para isso. Abril de 1937 é decisivo. Para o governo da Frente Popular, alinhado à Moscou, varrer os anarquistas significou a instauração de um governo altamente centralizado e refratário a qualquer iniciativa que não o justificasse. A CNT-FAI é declarada ilegal, os trabalhadores são desramados em Barcelona e o monopólio armado é restabelecido nas mãos da polícia. Toda organização anarquista, em território espanhol, é destruída por brigadas enviadas de Moscou. Instaura-se um governo que é abertamente adversário das coletivizações e defensor da propriedade privada. “Disso decorre que a vitória de Franco não pode ser explicada ou inteiramente explicada, tão somente por sua superioridade material, pelo apoio de potências estrangeiras e pelo medo, pela repressão, dentro da própria Espanha. O fascismo também colocou em jogo motivos de forte teor ideológico. O papel desempenhado por este fator na derrota da Revolução Espanhola é fortemente negligenciado; no entanto, é preciso tê-lo na mira.” (p.227) Da parte dos fascistas, é também abril de 1937 um momento decisivo. Atento ao recuo da Frente Popular, que havia, ela mesma, eliminado sua maior força de resistência, e ao aumento da intervenção internacional na guerra, a direita avança para a tomada do governo das mãos dos republicanos. Intensificam suas posições e partem para o ataque. O começo do fim para o governo republicano é o bombardeio de Guernica. Esse fato terá dupla serventia aos franquistas: como destruição de uma área estratégica militarmente e como uma maneira desmoralizar governo republicano. Embora as pesquisas históricas posteriores mostrarão que o bombardeio da pequena cidade a 35 quilômetros de Bilbao, tenha sido feito pelo exército alemão, os alemães e fraquistas negarão o ataque e acusarão a Rússia como responsável, argumentam que são os vermelhos que incendeiam e matam, o exército de Franco conquista pela força militar, os vermelhos fazem isso pois sabem que nunca terão a Espanha. Além de motivo para acusar os aliados do governo, a pátria basca estava em questão. Os bascos haviam conseguido, depois das eleições de fevereiro de 1936, um estatuto de autonomia política. Isso seria um obstáculo para formação de uma Nação, um Povo e um Caudilho, lema da Falange. Soma-se o fato da região ser rica em minério de ferro, usinas siderúrgicas e indústria naval. O governo republicano precisava desses recursos. Para o cumprimento dessa tarefa foram mobilizados cinqüenta mil soldados e 100 aviões; contava, ainda, com soldados italianos, enviados por Benito Mussolini, e com os alemães da legião Condor — 6.500 “voluntários”, divididos em unidades blindadas, esquadrilhas de caças e bombardeiros. Desse ponto em diante o que ocorre é um massacre. É depois do verão de 1937 que a tese da intervenção internacional ganha força. A Espanha debilitada pelo ano de guerra civil, suas forças divididas internamente, o apoio de Moscou menor do que esperava o governo republicano; a Itália e principalmente a Alemanha, como mostra o caso de Guernica, não mediram esforços para apoiar Franco; a Inglaterra com sua neutralidade mostrou de que lado estava, dos fascistas. Dessa maneira a vitória do fascismo foi uma questão de tempo. A vida como batalha e a batalha pela morte Quando chamei a atenção no começo para o fato de que a Guerra Civil Espanhola explicita um embate pela vida que apresenta duas situações limites de encarar essa vida, quis mostrar como na lógica do Estado moderno, o componente da eliminação do inimigo interno não é só um atributo dos governos totalitários. Os republicanos, no momento da reação franquista reconheceram a força política dos anarquistas, mas não abriram mão da centralização estatal e do monopólio da violência. Boicotaram a as experiências autogestonárias e a as milícias armadas que combatiam o fascismo em sua expressão mais ordinária: a organização racional da vida econômica e política de um povo. A resistência violenta dos anarquistas, com as ações contra a ditadura de Primo Rivera e depois a resistência armada contra Franco mostrou que o que estava em jogo era manutenção da vida livre que se aparta da idéia de Nação, de Estado; que se dispensa da estratégia e da guerra como atributo do Estado. Que luta, mesmo colocando a vida em risco, não como um busca pela morte, mas como a afirmação de uma vida que só se pode viver em liberdade. Afirmam a vida como uma batalha. O Estado, como mostrou tanto a postura dos Estados liberais e totalitários durante a guerra civil, nos impele não à vida como batalha, mas à vida como uma batalha para morte, até sua glorificação sob um regime autoritário, em nome da continuidade do soberano. -------------------------------------------------------------------------------- Núcleo de Sociabilidade Libertária - Nu-Sol Texto extraido de nu-sol.org. Acessado em: 12/07/2013.
Posted on: Fri, 12 Jul 2013 03:58:04 +0000

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