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HOMENAGEM Neste texto, Augusto de Franco está sublime. POR QUE SOU E NÃO SOU ATEU Se não me falha a memória cristão foi a palavra empregada por Nero para designar a seita dos que não acreditavam nos deuses ou no imperador. Li isso há algum tempo no célebre Atheismus im Christentum (Ateísmo no Cristianismo) de Ernst Bloch (Suhrkamp-Verlag: 1968). Para o imperador romano pessoas que acreditavam que o nazareno - um homem, portanto - podia ser deus não acreditavam realmente nos deuses. Aos olhos de Nero, portanto, os cristãos eram ateus. Agora que a intolerância religiosa anda açulada e recebo acusações de ser um ateu (como se isso fosse um pecado ou um crime), resolvi reproduzir um trecho do meu livro FLUZZ (2011) que vem a calhar. É meio longo, mas creio que esclarece muita coisa do que penso. Os problemas com as igrejas (e religiões) erigidas no contra-fluzz não têm nada a ver com os deuses. Têm a ver, isto sim, com os deuses das igrejas (e das religiões). Deuses existem desde que existe sociedade humana, muito antes de erigirmos igrejas e constituirmos religiões. E igrejas e religiões seriam – e foram, e são, e serão – sempre problemas (para a rede-mãe), mesmo sem quaisquer deuses. “Quem mandou dizer ao povo que os deuses não existem?” A pergunta teria sido feita – em tom de reprimenda – por Robespierre aos seus correligionários. Mas se isso não for uma lenda, se ele fez realmente tal pergunta, foi movido por maus motivos: não lançar desesperança sobre as massas... Faz parte da mentalidade de comando-e-controle. Agora, porém, podemos refazer a pergunta de outra forma: quem disse que os deuses não existem? Quanto mais investigamos as redes, mais evidências surgem de que os deuses existem. Se não existissem, como explicar que tantas pessoas, ao longo da história (e inclusive na pré-história), tenham pautado seus comportamentos em sintonia ou obediência ao que acreditavam ser a natureza, a essência ou os ditames divinos? Eles existem, sim, como modelos mentais, quer dizer, sociais (1). Os deuses, se já não se pode acreditar que sejam criadores do cosmos natural, sem dúvida são criadores de cosmos sociais. Eles são matrizes de programas que rodam na rede social. Congregam modelos do que será constelado no espaço-tempo dos fluxos e do que virará fenômeno social e, até, do que se codificará como norma, do que se congelará como instituição e do que se materializará como cidade, rua, praça. Sim, Zeus Agoraios estava de fato presente naquela praça do mercado da velha Atenas chamada Ágora. Mas o que significa dizer isso? Até a democracia nascente – laica por essência – tinha lá os seus deuses: por exemplo, o Zeus Agoraios e a deusa Peitho. Mas quando os gregos do século de Péricles invocam Zeus Agoraios eles conferem às conversações entre os homens livres na praça do mercado (o espaço público nascente) o caráter de algo digno de ser abençoado e protegido por um deus, abrindo uma brecha na tradição centralizadora (hierarquizante) segundo a qual os deuses tratavam desigualmente os humanos, ungindo os hierarcas e seus representantes (reis e sacerdotes) para conferir-lhes a autorização (divina) de exercer o poder sobre os demais e guiá-los por algum caminho. Quando os gregos invocam Peitho, a persuasão deificada, eles confrontam a idéia autocrática de que a política era uma continuação da guerra por outros meios. Como escreveu Hannah Arendt (c. 1950) (2): “No que dizia respeito à guerra, a polis grega trilhou um outro caminho na determinação da coisa política. Ela formou a polis em torno da ágora homérica, o local de reunião e conversa dos homens livres, e com isso centrou a verdadeira coisa política’ — ou seja, aquilo que só é próprio da polis e que, por conseguinte, os gregos negavam a todos os bárbaros e a todos os homens não-livres — em torno do conversar-um-com-o-outro, o conversar-com-o-outro e o conversar-sobre-alguma-coisa, e viu toda essa esfera como símbolo de um peitho divino, uma força convincente e persuasiva que, sem violência e sem coação, reinava entre iguais e tudo decidia. Em contrapartida, a guerra e a força a ela ligada foram eliminadas por completo da verdadeira coisa política, que surgia e [era] válida entre os membros de uma polis; a polis se comportava, como um todo, com violência em relação a outros Estados ou cidades-Estados, mas, com isso, segundo sua própria opinião, comportava-se de maneira ‘a política’. Por conseguinte, nesse agir guerreiro, também era abolida necessariamente a igualdade de princípio dos cidadãos, entre os quais não devia haver nenhum reinante e nenhum vassalo. Justamente porque o agir guerreiro não pode dar-se sem ordem e obediência e ser impossível deixar-se as decisões por conta da persuasão, um âmbito não-político fazia parte do pensamento grego”. Os deuses da democracia grega eram deuses da conversação, quer dizer, deuses-fluzz, deuses da interação. É claro que havia um âmbito a-político e não democrático na Grécia e, assim, havia também outros deuses hierárquicos e autocráticos (por exemplo, todos os deuses associados à guerra e à jornada do herói, aos vaticínios e ao destino). Mas como? Se a democracia é laica, por que teria ela seus deuses? Pois é. Laico não quer dizer propriamente ateu (sem deus) e sim sem religião (institucionalizada); ou seja, ser laico significa não fazer parte da burocracia sacerdotal instituída para intermediar a relação do homem com a divindade, isto é: para separar o ser humano da divindade; ou, como disse Jung, para proteger o homem da experiência de deus, abrindo sulcos para fazer escorrer por eles as coisas que ainda virão; ou ainda – o que é a mesma coisa – pavimentando com a crença um caminho para o futuro (e consequentemente, eliminando outros caminhos, reduzindo nosso estoque de futuros possíveis, exterminando mundos). Não, não há nenhum problema com os deuses. Os deuses das religiões foram problemáticos porque foram hierárquicos e autocráticos como as religiões que os adotaram (na verdade, que os construíram para seus propósitos). A questão relevante agora não é a de saber se existem ou não existem deuses (uma controvérsia tola), mas a de saber em que medida algum deus (um programa capaz de rodar na rede-mãe e de ensejar algum tipo de experiência mística ou espiritual, permitindo que uma pessoa viva a si mesmo como componente integral de um domínio mais amplo de relações de existência) favorece a reprodução de uma sociedade hierárquica ou a emersão de uma sociedade-em-rede. Os deuses pré-patriarcais foram naturais e não geraram religiões. Os deuses patriarcais foram sobrenaturais e geraram, estes sim, instituições hierárquicas: escolas (e ensino), igrejas (e religiões) e, sobretudo, Estados. (Quem sabe os deuses pós-patriarcais serão sociais e não gerarão nenhum desses tipos de deformações na rede-mãe – o que não significa, como veremos adiante, que não possam inspirar novas formas mais interativas de espiritualidade). Não é por acaso que as primeiras formas de Estado erigidas nas cidades antigas – as cidades-Estados da velha Mesopotâmia – tinham seus deuses. Cada uma tinha lá o seu deus ou a sua deusa. Um eco empalidecido dessa tradição são os nossos santos e santas padroeiros de cidades. Na Antiguidade, porém, as cidades não eram apenas consagradas ou dedicadas ao um deus ou deusa, senão que pertenciam aos deuses. Uruk e Ur eram de Innana, Nippur e Lagash de Ninurta. A cidade-Estado-Templo sumeriana era uma habitação para um deus. Os seres humanos viviam nelas de favor. E para trabalhar para os deuses, para ser seus escravos (os feitores, é claro, eram os sacerdotes). Adorar (ter uma devoção) era a mesma coisa – inclusive etimologicamente – que trabalhar (a palavra hebraica ‘avod’, que pode ser traduzida por devoção, adoração e também por trabalho, ecoa esse perverso sentido ancestral). Os deuses em questão não eram os seres espiritualizados que foram idealizados depois. Eram apenas os superiores. Sobre-humanos sim, porém belicosos, intrigantes, genocidas, carnívoros... Está claro que eram – ou se manifestavam como – programas verticalizadores do cosmos social. Não eram sobre-humanos no sentido de serem mais perfeitos do que os humanos e sim no sentido de que não eram humanos, sua “presença” não era humanizante. Depois, por algum motivo, eles se hospedaram no subsolo de nossa consciência social (?), naquela região misteriosa que foi chamada de inconsciente coletivo (!). Eles eram mais ou menos assim como os vírus que hoje tentam invadir nossos websites. É curioso que alguns sistemas de segurança anti-spam, lançando mão de um Teste de Turing reverso – Completely Automated Public Turing test to tell Computers and Humans Apart (CAPTCHA) – sugestivamente perguntam: “Você é humano?” e então mandam a gente copiar algumas letras com formatação desfigurada (coisa que, por enquanto, os robôs virtuais ainda não conseguem fazer, só os humanos). Nenhuma organização hierárquica passaria nesse teste! Deuses sobre-humanos (ou não humanizados) levam necessariamente a sistemas de dominação. Todo relacionamento vertical recorrente (estrutura centralizada) materializa um sistema de dominação. Osho acertou em cheio o coração do problema quando disse: “não tenho nenhum Deus; desse modo, não tenho nenhum programa para você no qual você possa ser transformado em um escravo”. Ele decifrou o enigma quando identificou os deuses das religiões com um programa, um programa verticalizador. Portanto, o problema não são os deuses e sim esses deuses criados à imagem e semelhança dos hierarcas, que talvez os tenham criado assim ao não aceitarem o fluxo transformador da vida, para tentar evitar a morte; e ao não aceitarem fluzz – o fluxo transformador da convivência social –, para tentar perenizar os mundos que construíram em detrimento de outros mundos possíveis. Sim, o problema são os deuses autocráticos, feitos à imagem e semelhança dos sistemas de dominação. Esses deuses serão hierárquicos, por certo, mas, do ponto de vista das redes distribuídas, não haveria nenhum problema com deuses humanizados que não exigissem culto, obediência ou subordinação (como Jesus de Nazareh, por exemplo, aquele judeu marginal que humanizou IHVH, desde que não se tivesse tentado instrumentalizar suas experiências de vida e convivência social para codificar doutrinas, constituir religiões e erigir igrejas). Mas, como? Atribuir a uma pessoa, com exclusividade, um caráter divino, como fizeram, por alguma razão, seus primeiros discípulos, não seria um contrassenso nos mundos altamente conectados em que cada pessoa é uma singularidade em um mesmo tecido (social), possuidora, portanto, do mesmo status (humano) de todas as outras? Ora, William Blake, um poeta – porque os poetas são pessoas-fluzz – já resolveu essa questão para nós quando escreveu: “Jesus é o único Deus. Assim como eu, assim como você”. Desse mesmo ponto de vista, não haveria nenhum problema com deuses pós-patriarcais que fossem sociais (como o que foi chamado de Espírito Santo e que a comunidade dos amantes celebra dizendo: “Ele está no meio de nós”) – para seguirmos a numinosa compreensão, manifestada algures por Leo Jozef (Cardeal) Suenens, quando escreveu: “É preciso que sejam muitos para ser Deus”. Deuses divididos? Osíris foi – em uma de suas “não-vidas” – um deus dividido, acorde às necessidades de descentralização da teocracia faraônica. Deuses pós-religiosos serão fractalizados, acorde às contingências de distribuição dos Highly Connected Worlds. Sim, os deuses se modificam quando modificamos o hardware. E consequentemente muda também o que chamamos de espiritualidade. Em um mundo distribuído não pode haver culto organizado centralizadamente (por igrejas). Libertada do culto (e das suas ordenações religiosas), a espiritualidade também se distribui por todas as pessoas, cada qual podendo livremente vivê-la de acordo com suas conexões. Cada pessoa (que quiser) pode experimentá-la nas contingências do seu fluir, em sintonia com as redes sociais em que está imersa; i. e., convivendo-a. No mundo único as pessoas viveram oprimidas por ideias totalizantes e uniformizantes, fossem, por um lado, provenientes da crença religiosa em um deus único (e incognoscível), fossem – pelo lado oposto – provenientes da crença tola de que deus não existe, ditada por uma ciência promovida a pansofia. Isso gerou um sem número de problemas, sobretudo psicológicos, quando as pessoas passaram a reprimir sua espiritualidade por medo do vexame e da reprovação dos bem-pensantes. Tal “verdade” supostamente libertadora, revelada por uma ciência deslizada do seu escopo, baseada em uma espécie de religião laica iluminista, era, na verdade, opressiva. Libertadas desse bom-senso ateísta as pessoas podem ter sua própria experiência de deus (ou de qualquer ente ou processo que queiram escolher para representar ou simbolizar um domínio mais amplo de relações de existência no qual se sintam inseridas e possam viver tal inserção), interagindo. Tal inserção, é claro, também pode ser vivida sem conotação mística. Como disse Ilya Prigogine (1986) em entrevista a Renée Weber, em Diálogos com cientistas e sábios: “Pessoalmente, sinto que chegamos hoje à percepção de estarmos entranhados no mundo como um todo. Estamos descobrindo um vínculo sem recorrer a nenhum misticismo externo, estranho” (3). O que diminuirá, nos Highly Connected Worlds, são as chances de vivermos esse vínculo permanecendo do “lado de fora” do abismo, precavidos contra o caos ou protegidos da interação. Deuses interativos, porém, não estarão no futuro, como aquele da tradição hebraica que não podia ser nomeado a não ser pela expressão Ehie Asher Ehie – traduzível por “Eu serei o que serei” (o hebraico aceita) posto que estava no futuro. Esse deus da utopia (e da profecia), do não-lugar (porque o lugar do seu tempo nunca chega) – e refletindo sobre o qual o marxista heterodoxo, materialista e ateu, Ernst Bloch (1968) em O ateísmo no cristianismo, usinou a pérola: “Deus não existe, porém existirá” (4) – não pode interagir com as pessoas e, assim, não pode ser um deus-fluzz; ou, o que é a mesma coisa, não pode ensejar uma experiência mística ou espiritual fluzz. Formas pós-religiosas de espiritualidade serão predominantemente i-based e, portanto, tenderão a ser vividas no presente (o que significa que não nos jogarão naquela corrente alucinante da utopia e da profecia que tudo arrasta para o futuro, alienando-nos do presente). Tudo indica, porém, que as religiões (e as igrejas ou as ordens sacerdotais) remanescerão por muito tempo ainda. Mas a despeito de continuarem rodando na rede social, esses programas podem agora ser hackeados pelos novos hereges que já estão no meio de nós. Sim, como disse Bloch, “o melhor da religião é que ela produz hereges” (5). NOTAS (1) Cf. FRANCO, Augusto (2009). Modelos mentais são sociais. Slideshare [1.022 views em 23/01/2011] (2) ARENDT, Hannah (1959). “A questão da guerra” in O que é política? (Fragmentos das “Obras Póstumas” (1992), compilados por Ursula Ludz). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. (3) Cf. WEBER, Renée (1986). Diálogos com cientistas e sábios. São Paulo: Cultrix, 1991 [cf. a entrevista com Ilya Prigogine no capítulo intitulado “O reencantamento da natureza”]. (4) BLOCH, Ernst (1968). El ateísmo en el cristianismo: la religión del éxodo y del Reino. Madrid: Taurus, 1983. (5) Idem.
Posted on: Mon, 29 Jul 2013 16:10:45 +0000

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