Um casamento para minha mãe - Acorda, Letícia, acorda! – - TopicsExpress



          

Um casamento para minha mãe - Acorda, Letícia, acorda! – gritou a mãe, desesperada do outro lado da porta. A menina deu um pulo da cama sem nada entender, abriu a porta com solavancos e quase foi atropelada por dona Maria, que já foi entrando com duas sacolas nas mãos. - Filha, você não vai acreditar no que achei para você ontem à noite – disse, enquanto esparramava pela cama várias bijuterias, arcos e um véu. - Mãe, são seis horas, o que a senhora está fazendo? – gritou, revezando cada palavra com um bocejo. - Consegui com a Dona Fia algumas das coisas que usei no meu casamento, olha, vai ficar linda em você! Letícia tinha 21 anos e iria se casar em 20 dias com o Geraldinho Firmino, um servente de pedreiro boa praça, muito bem quisto por todos do bairro. Ela trabalhava há 2 anos como caixa de um supermercado e fazia curso de esteticista, ele trabalhava com o pai na maioria das obras da cidade e era técnico voluntário do time de futebol da Fundação Amanhã para Todos, uma instituição que acolhia jovens com delitos leves. - Mãe, já está tudo pronto lá na Dream Noivas, você foi comigo, escolhemos tudo, porquê isto agora? E a esta hora ainda... – reclamou a menina, sentando-se e observando as peças démodés sobre a cama. - Mas veja esta coroa, Ticinha, estes anéis e este véu. Fiquei tão linda na época com eles – entusiasmava Dona Maria, enquanto colocava as peças na mão da filha. - Na época mãe... na época. Hoje não se usa essas coisas mais e esse broche, meu Deus! – criticou. Dona Maria se recompôs, juntou as coisas de qualquer jeito numa sacola e saiu pela porta enquanto a filha observava sem entender. Voltou pra cama. Uma hora depois, quando já estava indo trabalhar, Ticinha deu de cara com Dona Fia no portão de sua casa. - Sua mãe te mostrou? – indagou a velha. - Se for aquelas coisas antigas, mostrou sim. Se ela casou com aquilo, porque estavam com a senhora? – perguntou Letícia. - São minhas, ela não casou com nada daquilo. Na verdade, ela queria casar usando aquilo que você viu, pois meu matrimônio foi dois meses antes da notícia de sua vinda e da união dela com o Sebastião na mesma casa, ela não teve casamento – contou pedindo que não falasse a sua mãe. A menina ficou estática. - Não entendo, porque ela mentiria para mim? – se questionava a menina enquanto olhava o relógio preocupada com o trabalho e já se despedindo de Dona Fia. Em casa, Dona Maria esperava o feijão cozinhar sentada num banquinho no canto da cozinha, lembrando da juventude, quando foi obrigada a se sentar com Sebastião e contar-lhe da gravidez. - Mas Maria, nos nunca... - Eu sei, Tião – ela o interrompeu, segurando suas mãos, respirando fundo e contando em seguida uma história de horrores, vivida nas mãos de seu pai desde os nove anos. Ele a abraçou sem nunca questionar nada. Maria chorou naquele canto da cozinha, olhando para a sacola com os pertences de dona Fia, enquanto quase podia rir imaginando sua filha subindo ao altar com aprovação de todos, de branco, linda e radiante. No dia do casamento, Letícia foi pediu que ninguém a visse antes da grande hora, estava muito nervosa e só deu um beijo e um abraço apertado nos pais pela manhã, antes de sair de casa naquele domingo ensolarado. No final da tarde a igreja estava cheia, na porta quatro garotinhas filhas dos alunos de Geraldinho, distribuíam rosas. Dentro da igreja, o chão estava todo coberto de pétalas brancas, amarelas e rosas que davam ao ambiente religioso ainda mais sensação de paz. A família da noiva estava sentada nas duas primeiras fileiras da frente e a do noivo, família maior, estava espalhada por toda igreja. O órgão toca Bach e Letícia aponta na porta. A sua frente um garotinho caminhava a passos rápidos tocando violino, logo atrás e de braços dados a seu pai vinha a noiva, com um broche um pouco enferrujado em formato de rosa no peito, um anel grande na mão esquerda e um véu curto e amarelado sobre a cabeça. Eram as coisas de Dona Fia. Dona Maria avistou sua filha e não pode conter o choro desenfreado, como quem se via entrar na igreja ao lado do homem que a acolheu, que a respeitou, que a fez superar a humilhação e abuso de um pai doente. Letícia sorriu ao ver a emoção da mãe e ao passar por ela, falou baixo, mas todos puderam ouvir. - Hoje eu sou você. (Antonio Andrade)
Posted on: Mon, 26 Aug 2013 13:01:09 +0000

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