"Como eu me sinto como um ser político? Como de repente você - TopicsExpress



          

"Como eu me sinto como um ser político? Como de repente você pode ficar cristalizado, sejam eles quais forem? Como é que as pessoas são levadas a aderir a partidos, esquemões, todas essas criaturas duras e senescentes como o marxismo, o fascismo, o capitalismo, o fanatismo religioso? Quando é que houve essa ruptura impressionante que perverteu todos os esquemas que se pretendia implantar para a felicidade do homem, a justiça, a liberdade e que acabaram-se chamando Vietnã, Afeganistão, Tiópia, Hiroshima, Nagasaki, Auschwitz, Guernica, genocídio dos armênios, dos judeus, dos cambodgianos e laocianos, escravidão dos negros, extermínio de índios, KGB, poluição, bomba de nêutrons, dissuasão atômica pela paridade do terror mútuo das superpotências, o Gulag, o terrorismo contra inocentes, os Esquadrões da Morte, as prisões de Cuba, do Uruguai, da Argentinaa e do Brasil, o sufocamento da primavera de Praga na Checoslováquia de Dubcek? Todos os ismos são sufixos, aliás o Axelrod diz: “comeram os meus sufixos”. Tudo isso: capitalismo, marxismo, fascismo, nazismo, cristianismo fanatizado, islamismo fanatizado, carreirismo ou luta pelo poder, consumismo, tudo isso deturpa o homem total e constitui um corpo de conceitos longínquos para o escritor. A política rasteira, mentirosa, da realidade, a Realpolitik fica sujeita a torpes deturpações semânticas diárias, sórdidas, viscosas de embuste, tudo fraccionado em partidos, sistemas, fórmulas dogmáticas – nada disso tem mais significado para o escritor. Não se pode criar uma noção arrumadinha, publicitária, de Pátria, de Congresso quando a Pátria é, no real profundo e não no real da demagogia dolosa, uma verdade grudada na minha sensibilidade e que nenhum slogam governamental nem partidário poderá jamais expressar! O político rateiro, comezinho é uma verdade fragmentária meendaz. A totalidade do ser humano seria o sentido de compreender o homem, o teu próximo, e dar vida a ele. Fazer da tua linguagem uma extensão da tua própria atuação, aí, sim, você começa a ser livre. Na hora que você começa a enunciar para o outro esse ummm [intelecto, em russo] perigosíssimo, mas se deve ouvir mais o coração e menos o intelecto, só assim você começará a amar o outro. No mundo de hoje só um louco é que não pode pensar em utopias. Temos de desejar a utopia, sonhar com a utopia, querer a continuação do homem por meio de uma coisa inimaginável, impossível, mas que o ser humano vai conseguir, vai chegar até lá." [RIBEIRO, Leo Gilson. Hilda Hilst. Eu quero uma junção do misticismo com a ciência. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 mar. 1980. (ENTREVISTA)]
Posted on: Sun, 06 Oct 2013 23:58:10 +0000

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