POR LEONARDO BOFF Como definir a paz? O terrorismo que atingiu em - TopicsExpress



          

POR LEONARDO BOFF Como definir a paz? O terrorismo que atingiu em 11 de setembro de 2001 os ícones do sistema imperante no mundo e nos Estados Unidos provocou ao lado da indignação uma busca insaciável por paz. Entre muitas definições, privilegiamos uma por ser extremamente sugestiva:a paz como equilíbrio do movimento. 1.Tudo é movimento A fecundidade desta definição reside no fato de que se ajusta à lógica do universo e de todos os processos orgânicos. Tudo no universo é movimento, nada é estático e feito uma vez por todas. Viemos de uma primeira grande instabilidade e de um incomensurável caos. Tudo explodiu. Começou o movimento que ainda não terminou. Ao expandir-se, o universo vai pondo ordem no caos. Por isso este caos é criativo e generativo. A ordem surge pelo jogo de relações que todas as coisas entretém entre si. Tudo tem a ver com tudo em todos os momentos e em todas as circunstâncias. Essa afirmação constitui a tese básica da cosmologia contemporânea, da física quântica e da biologia genética e molecular. Em razão da panrelacionadade de tudo com tudo o universo não deve mais ser entendido como o conjunto de todos os seres existentes e por existir, mas como o jogo total, articulado e dinâmico de todas as relações que sustentam os seres e os mantém unidos e interdependentes entre si. A vida, as sociedades humanas e as biografias das pessoas se caracterizam pelo movimento. A vida nasceu do movimento da matéria que se auto-organizou; a matéria nunca é “material” mas um jogo altamente interativo de energias e de dinamismos que permitem surgir os mais diferentes seres. Não sem razão asseveram eminentes biólogos que, quando a matéria alcança determinado nível de auto-organização, em qualquer parte do universo, emerge a vida como imperativo cósmico, fruto do movimento de relações que pervade todo o cosmos. As coisas mantém-se em movimento, por isso evoluem; elas ainda não acabaram de nascer. Estão em processo de gênese: cosmogênese, biogênese, antropogênese, budogênese e cristogênese. O ser humano passa por sucessivos processos de transformação mediante os quais constrói sua identidade e plasma seu destino. 2. Tudo busca seu equilíbrio Mas o caos jamais teria chegado a cosmos e a desordem primordial jamais teria se transformado em ordem aberta se não houvesse o equilíbrio. Este é tão importante quanto o movimento. Movimento desordenado é destrutivo e produtor de entropia. Movimento com equilíbrio produz sintropia e faz emergir o universo como cosmos, vale dizer, como integridade, ordem e beleza. Que significa equilíbrio? Equilíbrio é a justa medida entre o mais e o menos. É o ótimo relativo. Possui equilíbrio o movimento que se realiza dentro da justa medida e não for nem excessivo nem insuficiente. A paz é esse ponto de equilíbrio sutil, frágil e sempre em construção. Se assim é, importa, então, sabermos o que significa a justa medida, sustentáculo da paz. A justa medida consiste na capacidade de usar potencialidades naturais, sociais e pessoais de tal forma que elas possam durar o mais possível e possam, sem perda, se reproduzir. Esse propósito é alcançado quando se estabelecer moderação e equilíbrio entre o mais e o menos. A justa medida pressupõe realismo, quer dizer, aceitação humilde dos limites e aproveitamento inteligente das possibilidades e oportunidades. É este equilíbrio que garante a sustentabilidade de todos os fenômenos e dos processos, da Terra, das sociedades e da vida das pessoas. 0 universo surgiu por causa de um equilíbrio extremamente sutil. Após a grande explosão originária, se a força de expansão fosse fraca demais, o universo colapsaria sobre si mesmo. Se fosse forte demais, a matéria cósmica não conseguiria adensar-se e formar assim gigantescas estrelas vermelhas, posteriormente, galáxias, estrelas, sistemas planetários e seres singulares. Se não tivesse funcionado esse refinadíssimo equilíbrio nós humanos não estaríamos aqui para falar disso tudo. Há paz no universo e as estrelas não caem sobre nossas cabeças porque há equilíbrio do movimento. 3. Como alcançar o equilíbrio do movimento? Como alcançar essa justa medida e esse equilíbrio dinâmico? Eis uma questão extremamente complexa. A própria natureza do equilíbrio demanda uma arte combinatória de muitos fatores e de muitas dimensões, buscando a justa medida entre todas elas. Pretender derivar o equilíbrio de uma única instância é situar-se numa posição de desequilíbrio. Por isso não basta a razão crítica, não é suficiente a razão simbólica, presente nas religiões e nas artes nem a razão emocional, subjacente ao mundo dos valores nem o recurso da tradição, do bom senso e da sabedoria dos povos. Todas estas instâncias são importantes, mas nenhuma delas, é suficiente, por si só, para garantir o equilíbrio. Este exige articulação de todas as dimensões e de todas as forças. Numa palavra, o equilíbrio evoca a sabedoria que é exatamente o saber da medida justa, da ponderação dos prós e dos contras, saber que tem sabor porque colhe o melhor de cada coisa e cada situação, numa atitude equidistante da carência e da abundância, do mais e do menos. A sabedoria representa a habilidade de somar positivamente todos os fatores que favorecem a vida e sua expansão. A partir destas idéias, temos condições de apreciar a excelência da compreensão da paz como equilíbrio do movimento. Se houvesse somente movimento sem equilíbrio, movimento desordenado, em qualquer direção, imperaria o caos e teríamos perdido a paz. Se houvesse apenas equilíbrio sem movimento reinaria a estagnação e nada evoluiria. Seria a paz dos túmulos. A manutenção sábia dos dois pólos faz emergir a paz dinâmica, feita e sempre por fazer, aberta a novas incorporações e a sínteses criativas. 4. A crise atual: muito movimento, pouco equilíbrio Consideradas sob a ótica da paz como equilíbrio do movimento, as sociedades atuais são profundamente destruidoras das condições da paz. Vivemos dilacerados por radicalismos, unilateralismos, fundamentalismos e polarizações insensatas em quase todos os campos. Elas ganharam corpo nos aviões-bomba, destruindo os símbolos do poder econômico e do poder militar, ambos altamente desestabilizadores de equilíbrio mundial. A concorrência na economia e no mercado, feita princípio supremo, esmaga a cooperação necessária para que todos os seres possam viver e continuar a evoluir. O pensamento único da ideologia neo-liberal, levado a todos os quadrantes da terra, destrói a diversidade cultural e espiritual dos povos. A imposição de um única forma de produção, com a utilização de um único tipo de tecnologia e um único modelo de administração, maximalizando os lucros, encurtando o tempo e minimalizando os investimentos, devasta os eco-sistemas e coloca sob risco o sistema vivo de Gaia, a Terra. As relações profundamente desiguais entre ricos e pobres, entre Norte e Sul e entre religiões, umas considerando-se mais divinas que as outras, reforçam a arrogância, incrementam ressentimentos e aprofundam conflitos religiosos. Eis a dilaceração da paz, eis as bases do terrorismo. Todos estes anti-fenômenos são manifestações da destruição do equilíbrio do movimento e, por isso, da paz tão ansiada por todos. Somente fundando uma nova aliança entre todos e com a natureza, inspirada na paz-equilíbrio-do-movimento como método e como meta, conseguiremos sociedades sem barbárie, onde a vida pode florescer e os seres humanos podem viver no cuidado de uns para com os outros, irradiando justiça e celebrando a paz perpétua, desde sempre buscada. LEONARDO BOFF
Posted on: Fri, 21 Jun 2013 20:00:59 +0000

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